Por: Valor Economico

Valor Econômico – 11/05/2011

A primeira das 24 parcerias público-privadas (PPPs) para estimular a produção nacional de medicamentos e a transferência de tecnologia para a indústria farmacêutica brasileira entra em operação hoje, dois anos depois de anunciada pelo Ministério da Saúde. O acordo entre o consórcio Blanver – Nortec e a Fundação Ezequiel Dias (Funed), do governo do Estado de Minas Gerais, que prevê a produção do Tenofovir, remédio para o tratamento de pacientes com HIV e HEPATITE B, começa a valer com o início da distribuição do primeiro lote da droga.

Os primeiros 2,2 milhões de comprimidos do antirretroviral destinados a pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) foram fabricados no fim de março e ficaram pouco mais de um mês encaixotados na unidade de Taboão da Serra da Blanver à espera da assinatura do contrato da PPP, publicado hoje no "Diário Oficial" de Minas. Sérgio Frangioni, principal executivo da Blanver, disse que o acerto de questões jurídicas e o processo de aprovação do remédio, que teve patente quebrada, justificam o atraso na liberação da PPP.

"Foi um aprendizado para todo mundo. Foi o primeiro processo, não havia referências internacionais. Tudo precisou ser bastante documentado, transparente, foram muitas idas e vindas a Belo Horizonte para fechar", revela Frangioni. "O ministério e pessoal dos laboratórios oficiais observaram de perto os pontos mais críticos e tomaram atitudes, e a partir de agora o processo das outras PPPs deve ser facilitado."

O Tenofovir teve a patente de seu princípio ativo quebrada em 2009 em favor da Nortec-Blanver, que, com a PPP com a Funed, passou a produzi-lo no país para vender para o governo a um preço mais baixo. O esquema permite que o Brasil deixe de importar a droga, consumida por cerca de 50 mil pacientes, e economize 40% na compra local. "Quando apresentamos o projeto executivo da PPP o gasto do governo com a importação do Tenofovir era de R$ 7,60 por comprimido. O preço que oferecemos agora é R$ 4 por comprimido", diz Frangioni.

A PPP prevê a fabricação de 28,8 milhões de comprimidos (960 mil frascos) de Tenofovir no prazo de três anos. No fim do período, a Blanver sai do mercado e a Funed passa a responder pela produção e distribuição do medicamento. "A transferência de tecnologia ocorre em três etapas. É tudo meticuloso, aprendemos a embalar e revestir o medicamento. Recebemos informações para analisar o produto acabado e estabelecer um parâmetro de controle de qualidade, até chegar na parte de manipulação técnica do produto", explica Silvia Fialho, coordenadora técnica da Funed.

A formulação de PPPs na área farmacêutica é uma medida diretamente ligada à Política de Desenvolvimento Produtiva (PDP). O governo trabalha com a ideia de reduzir um déficit anual de mais de US$ 10 bilhões da balança comercial do setor de saúde e transferir tecnologia para a indústria brasileira. A ação também está ligada às políticas públicas de ampliação do acesso a medicamentos no SUS.

Do ano 2009 para cá, foram desenhadas 24 PPPs para a transferência de tecnologia e a fabricação de 29 produtos estratégicos (28 remédios e um CONTRACEPTIVO) para o tratamento de várias doenças: asma, artrite e mal de Alzheimer, hemofilia, TUBERCULOSE, entre outras.

A compra internacional de medicamentos para essas doenças custa ao Ministério da Saúde cerca de R$ 1,5 bilhão por ano. Sem a necessidade da importação e quando todas as PPPs estiverem em andamento, o país poderá economizar cerca de R$ 1 bilhão. As 24 parcerias envolvem nove laboratórios públicos e 20 privados. 

Comentário

 

A matéria diz que houve quebra de patente do princípio ativo do tenofovir em 2009 em favor da Nortec-Blanver. Essa informação é incorreta. De fato, o tenofovir estava livre de patente, pois o princípio ativo nunca foi patenteado no Brasil e o pedido de patente para o fumarato de tenofovir desoproxil (TDF) foi contestado durante o período de exame no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). O Instituto de Tecnologia de Fármacos (Farmanguinhos) e o GTPI apresentaram argumentos técnicos para a rejeição do pedido, e esta acabou sendo a decisão final do INPI. Confira o subsidio ao exame apresentado pelo GTPI aqui. Posteriormente, o GTPI contestou um pedido de divisional da patente do TDF, que também foi indeferido pelo INPI. Confira o subsidio do GTPI aqui. Ou seja, a possibilidade de produção nacional é também uma conquista da sociedade civil, mas isso poucas vezes é lembrado. Pior do que isso, os movimentos que lidam com o tema de acesso a medicamentos enfrentam ainda a falta de transparência a respeito destas transferências de tecnologia (PPPs), ao contrário do que é dito na matéria. É bem representativo o fato dos medicamentos terem ficado um mês encaixotados porque a PPP ainda não havia sido assinada. Isso ilustra a desconfiança de que muitas dessas 24 parcerias talvez estejam ainda num estágio inicial de negociações, embora já tenham sido anunciadas como certas pelo governo. Por envolverem laboratórios públicos, essas PPPs deveriam ser debatidas de forma ampla pela sociedade, mas isso não está acontecendo, o que gera muitas duvidas sobre quais os termos dos acordos, que não são divulgados, mesmo com a pressão da sociedade civil. Existem duvidas por exemplo sobre como está sendo estabelecido o preço nessas parcerias. Nesse caso citado na matéria, apesar da redução de preço, o valor ainda pode ser considerado elevado, na falta de explicações que o justifiquem.