Por: Felipe Carvalho

As negociações do acordo entre U.E e Mercosul precisam ser acompanhadas com mais atenção

Os grandes veículos brasileiros de imprensa não cobriram a quinta rodada de negociações do acordo entre União Européia e Mercosul, realizada na semana passada no Paraguai. As únicas informações disponibilizadas a respeito desta, que foi XXI Reunião do Comitê de Negociações Birregionais (CNB), vieram através de um comunicado de imprensa.

De acordo com o comunicado, “Realizaram-se negociações nos pilares político, comercial e de cooperação do Acordo. Com respeito aos pilares político e de cooperação, textos normativos foram revisados e intercambiaram-se pontos de vista sobre diversos temas. Alcançou-se progresso substantivo nos textos negociados.”

Tendo como base apenas essas informações, não há como estabelecer uma reflexão sobre esses supostos progressos, também não fica claro que temas estão sendo considerados prioritários ou aqueles que estão gerando impasse.

Sabemos que o acordo é de grande interesse dos europeus. Em março, a Ministra das Relações Exteriores da Dinamarca, Lene Espersen, declarou que no primeiro semestre de 2012, quando a Dinamarca assume a presidência rotativa da União Européia, a conclusão do acordo comercial entre U.E e Mercosul será prioridade. Na semana passada o jornal Alemão “Frankfurter Allgemeine Zeitung” noticiou que empresas alemãs insistem na rápida assinatura do acordo.

Obviamente existem vantagens para o Brasil e demais países do Mercosul, especialmente na comercialização de produtos agrícolas. Tanto que a Comissão Européia está preparando um estudo sobre o impacto de um acordo com o Mercosul na agricultura européia, em resposta a queixas de diversos países do bloco europeu a respeito das negociações.

Entretanto, a qualidade das vantagens alcançadas significará a amplitude das concessões que terão que ser feitas em troca. E para esse jogo, a União Européia está mais bem equipada. Podemos citar como exemplo o anúncio feito esta semana de eliminar preferência tarifária para o Brasil e outros países emergentes a partir de 2014, pelo Sistema Geral de Preferências (SGP). Esse sistema tem beneficiado cerca de 12% das exportações do Brasil para a Europa. Este plano de corte do benefício pode impactar diretamente as negociações do acordo de livre comércio entre U.E e Mercosul, aumentando a pressão para que o bloco latino-americano faça concessões.

O GTPI tem preocupação especial com os temas envolvendo Propriedade Intelectual (PI) que estão sendo negociados, pois no acordo que atualmente está sendo negociado com a Índia, por exemplo, a União Européia está pressionando pela adoção de medidas rigorosa de P.I, que caso aprovadas podem afetar drasticamente o acesso a medicamentos na Índia e em todos os países em desenvolvimento. Não é por outra razão que o acordo Índia –U.E tem sido alvo de diversos protestos e campanhas ao redor do mundo.

Algumas das medidas que estão sendo impostas pelos negociadores europeus na Índia afetam a produção e a circulação de genéricos e permitem que empresas disponham de mecanismos para contestar políticas de saúde do governo em tribunais privados. Pela falta de informação e de interesse da mídia no tema, não sabemos se essas medidas estão sendo impostas também no acordo com o Mercosul e como os países do bloco estão reagindo.

A grande questão é que essas medidas rigorosas de PI vão além do que é determinado pelo Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS) e tem sérios impactos na saúde pública. São as chamadas medidas TRIPS-Plus. Desde que o TRIPS foi estabelecido em 1995, houve um grande debate internacional sobre como países em desenvolvimento poderiam usar as flexibilidades contidas no acordo para proteger a saúde pública. Os pequenos avanços feitos com muita dificuldade nesse sentido convivem, no entanto, com esforços de estabelecer medidas TRIPS plus, inclusive por meio de acordos bilaterais. Esse contexto, não por acaso, coincide com a maior onda de expirações de patentes americanas e européias. Ou seja, incapazes de gerar inovações, as empresas desses países influenciam seus governos para que medidas que possam estender seus monopólios e dificultar a oferta de genérico sejam adotadas.

As próximas rodadas de negociações serão em Bruxelas (4 a 8 de julho), e no Uruguai (7 a 11 de novembro). Estamos de olho.