Logo no discurso de abertura da 64ª Assembléia Mundial de Saúde (AMS), proferido pela Diretora Geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), Margaret Chan, o tema da reforma financeira da instituição veio à tona. Não é por acaso que a resolução 64/4, intitulada: "O futuro do financiamento para a Organização Mundial de Saúde: reformas para um futuro saudável", tem sido considerada o tema central desta AMS. Como superar a escassez de recursos enfrentada pela OMS no cenário pós-crise é a principal questão do debate, considerando-se que as alternativas devem preservar a independência da instituição. No entanto, muitas ONGs alertam para o fato de que as propostas atualmente em análise podem possibilitar financiamento por parte de entes privados, inclusive da industria farmacêutica, gerando uma situação de conflito de interesses que prejudicaria a construção de estratégias globais de saúde. Diante desta possibilidade o GTPI assinou um documento juntamente com a Health Action International (HAI-Europe) e outras organizações internacionais ressaltando a importância de que interesses comerciais não interfiram nas políticas da OMS. Ao se pronunciar sobre o tema, a delegação brasileira também se manifestou de modo crítico em relação à interferência da iniciativa privada na reforma da OMS.

Confira abaixo

1) Documento de posição assinado pelo GTPI sobre governança e conflito de interesse na OMS
2) Declaração da delegação Brasileira sobre a reforma da OMS
3) Resumo do Artigo do Jornal Suíço “Le Temps”, intitulado: “ A OMS está ameaçada de privatização?”
4) Outras informações sobre a atuação da delegação brasileira na AMS

1) Declaração sobre a governança e a gestão de conflitos da OMS e o futuro do financiamento para a OMS

Escrevemos para expressar nossa preocupação com a governança da Organização Mundial da Saúde (OMS) e outros organismos de saúde pública, no que diz respeito à gestão de conflitos de interesse.

A OMS e outras instituições de saúde pública têm relações complexas com as entidades comerciais que fornecem produtos e serviços de saúde. Em alguns casos, tais entidades comerciais estão sujeitas à regulamentação, a fim de proteger os consumidores e promover o interesse público. Instituições públicas de saúde estão também muitas vezes envolvidas na compra de bens e serviços, ou fornecem suporte financeiro para tais compras.

Por isso, é amplamente sabido que os governos e as instituições intergovernamentais de saúde, como a OMS, devem evitar conflitos de interesse em todos os aspectos da governança. A OMS só pode dar respostas significativas para os desafios da saúde pública por meio de responsabilidade e de uma maior transparência orientada pelas prioridades dos Estados-Membros e pelo avanço do interesse público. No entanto, a transparência é uma precaução necessária, mas não suficiente: Também deve haver uma abordagem clara para garantir que aqueles que representam interesses comerciais não façam parte da definição de políticas e normas.

Nossa preocupação é que as propostas presentes no debate atual sobre a reforma da OMS, em particular no relatório sobre "O futuro do financiamento para a OMS, Organização Mundial de Saúde: reformas para um futuro saudável", não sejam adequadas à necessidade de gestão de conflitos de interesses, além de apresentarem uma hipótese irrealista e empiricamente infundada de que todas as partes irão colaborar para o avanço do interesse público.

Pedimos aos membros da OMS para assegurar que qualquer alteração nas estruturas de governança responda de maneira realista os riscos que conflitos de interesse podem representar para os esforços de proteger os consumidores e o interesse público. Neste sentido, destacamos também a importância de avaliar os conflitos de interesse das empresas farmacêuticas e fabricantes de vacina, a indústria de alimentos processados, a indústria de energia nuclear e doadores privados, que têm complexos interesses privados.

Especificamente, pedimos aos membros da OMS que previnam iniciativas que darão à iniciativa privada e aos doadores um papel maior na governação da OMS. Por essa razão, pedimos aos países membros que se oponham ao Fórum Mundial de Saúde e à governança da Década de Vacinas.

Berne Declaration

GTPI/Rebrip

Health Action International (HAI)

IBFAN

Knowledge Ecology International (KEI)

Médecins Sans Frontières (MSF)

Oxfam International

People’s Health Movement (PHM)

Third World Network (TWN)

Universities Allied for Essential Medicines (UAEM)

 

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2) Declaração da delegação Brasileira sobre a reforma da OMS

Primeiramente, gostaríamos de agradecer o relatório da diretora-geral sobre a reforma da OMS e o futuro do financiamento. Reconhecemos os esforços de reflexão sobre os comentários e sugestões apresentados pelos Estados-Membros no processo de consulta permanente e acreditamos que o documento é uma boa base para o nosso debate contínuo sobre esta importante questão.

Inclusão e transparência são fundamentais para construir a confiança e assegurar um senso de propriedade entre todos os Estados Membros sobre este processo de reforma e sobre desta instituição. Estamos convencidos de que a OMS tem necessidade de redescobrir e valorar mais sua tão fundamental identidade multilateral.

Enquanto agência de saúde das Nações Unidas, o papel de liderança e coordenação da Organização Mundial de Saúde enquanto autoridade de saúde deve ser reforçado. Vários ajustes são necessários para adaptar a organização às demandas crescentes e urgentes, bem como para uma arquitetura internacional cada vez mais complexa. A reforma deve contemplar alguns princípios básicos: (a) Deve ser conduzido pelos Estados-membros, (b) deve ser baseada no consenso e (c) deve ser incremental.

É também urgente ouvir cada vez mais e com mais atenção ao que a sociedade civil tem a dizer e menos aos doadores privados. A OMS precisa priorizar os interesses coletivos e melhor gerenciar conflitos de interesses e demandas corporativas. Se quisermos ser sinceros sobre uma reforma para um futuro mais saudável, o objetivo principal da organização deve ser a justiça social, a igualdade e a equidade no acesso à saúde para todos.

Para cumprir seu mandato, a OMS precisa de uma estrutura adequada, uma gestão interna adequada e uma equipe competente que seja capaz de pensar estrategicamente e desenvolver e implementar políticas, programas e projetos de acordo com os organismos da OMS que regem as resoluções e decisões.

O principal foco da OMS é a promoção do direito à saúde. O reforço dos sistemas de saúde, o acesso a medicamentos e o encaminhamento das determinantes sociais e econômicos são prioridades de saúde pública a serem perseguida em todos os níveis. Congratulamo-nos com o fato de que estes elementos foram destacados no documento, mas precisamos definir melhor como essas propostas podem ser apoiadas e aplicadas.

Quanto aos elementos do programa de reforma (anexo ao informativo), a ser aperfeiçoado e desenvolvido entre junho e outubro de 2011, as consultas com os Estados-Membros devem ser priorizadas, recorrendo a opiniões de especialistas e propostas como "referência"e não "orientação". No que diz respeito ao relatório sobre as implicações financeiras e administrativas (A64 / 4 Add1), a fim de evitar conflitos de interesses, sugerimos que apenas recursos orçamentários regulares sejam utilizados para financiar o processo de reforma.

O Brasil expressa sua profunda preocupação com o conteúdo do documento sobre o "plano de desenvolvimento" que foi divulgado muito tarde, nomeadamente a referência a "um mecanismo de pool de fundos de entidades privadas". Nós definitivamente não estamos dispostos a aprovar tal documento. É necessário mais tempo para analisar todos os elementos ali presentes e ajustar as propostas.

O Brasil está comprometido a continuar contribuindo construtivamente para este processo. Os Estados-Membros devem ainda participar de discussões e identificar formas e meios para apoiar financeiramente a OMS. Previsibilidade e sustentabilidade são fundamentais. A OMS deve se ajustar à sua finalidade. Isso inclui não apenas a reforma, mas o financiamento adequado. É nossa responsabilidade coletiva apoiar a OMS para que cumpra seu objetivo constitucional que é a "realização por todos os povos do mais alto nível possível de saúde".

Obrigado!

(fonte: http://keionline.org/node/1137)

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3) Artigo do jornal “Le Temps”: A OMS está ameaçada de privatização?”

Escrito por Stéphane Bussard, o artigo comenta a “era de austeridade econômica”,iniciada pela crise e seus efeitos na necessidade por uma reforma nas finanças da OMS. Uma reforma de gestão e de estrutura para o enfrentamento dos desafios sanitários do século 21, como o aumento das doenças crônicas, também é tida como necessária pela diretora da organização, Margaret Chan. Atualmente, a OMS enfrenta um déficit de 300 milhões de dólares, e já anunciou a eliminação de 300 postos dos 2,400 que mantém em sua sede em Genebra. Diante dessas dificuldades financeiras, muitas organizações veem com preocupação a influência da iniciativa privada na OMS. Um exemplo citado pelo artigo é a indicação de Paul Herrling para o grupo de trabalho consultativo sobre financiamento de pesquisa e desenvolvimento da OMS. Mesmo sendo diretor de pesquisa da empresa farmacêutica Novartis, Herrling foi indicado pela Suíça e nomeado pela OMS em janeiro. Ele participa da análise de um financiamento de 10 milhões de dólares do qual um projeto de sua autoria pode se beneficiar. As ONGs não escondem sua inquietação em relação à reforma e tem especial preocupação com um projeto anunciado por Margaret Chan,  a criação de um Fórum Mundial de Saúde que incluirá todos os atores públicos e privados. “Ao criar esse Fórum Mundial da Saúde, vamos colocar a industria e o setor privado no mesmo plano que os atores públicos e as ONGs. Com isso corremos o risco de aumentar a influência da indústria sobre a política sanitária da OMS”, comenta Tido Von Schoen-Angerer, diretor da Campanha de Acesso a Medicamentos Essenciais de Médicos Sem Fronteiras (MSF)

 

Confira o artigo na íntegra (em francês)

L’OMS est-elle menacée de privatisation?
Par Stéphane Bussard

La directrice générale de l’institution, Margaret Chan, appelle à une réforme structurelle et financière drastique. Les ONG redoutent une marginalisation de l’organisation

Bill Gates dans l’antre de l’Organisation mondiale de la santé. Mardi, le milliardaire et cofondateur de Microsoft est venu s’adresser à la soixantaine de ministres et aux 1800 délégués présents à la 64e Assemblée mondiale de l’OMS qui se tient à Genève cette semaine. Il a exhorté les Etats à investir dans les vaccins pour «sauver 10?millions de vies» d’ici à 2020. L’intervention du philanthrope américain était d’autant plus symbolique que l’OMS, a expliqué sa directrice générale Margaret Chan, est sur le point «d’entreprendre les plus larges réformes dans la gestion et les finances» de l’histoire de l’institution onusienne fondée voici soixante-trois ans.

Margaret Chan dresse un constat sans concession: «A la fin de cette décennie, trop dispersée et ayant pris trop d’engagements, l’OMS s’aperçoit qu’elle a besoin de se réformer. Les priorités ne sont pas définies de façon assez sélective ni stratégique.» De fait, l’institution onusienne applique déjà un budget d’austérité. Pour Margaret Chan, une réforme structurelle s’impose si l’OMS entend faire face aux défis sanitaires du XXIe siècle, comme l’augmentation des maladies chroniques et non transmissibles. La crise a ouvert «une nouvelle et éprouvante ère d’austérité économique». Pour l’exercice 2010-2011, le budget total de l’OMS se chiffre à 4,5?milliards de dollars dont 1,56 milliard provient de 2000 contributions volontaires. Celles-ci proviennent pour 53% des Etats membres, 21% de l’ONU et d’organisations internationales, 18% de fondations, 7% d’ONG et 1% du secteur privé. Or ces contributions baissent de 10 à 15%. En 2011, l’OMS affiche un déficit de 300 millions de dollars qu’elle promet de résorber dans les trois ans. Ces problèmes financiers ne sont pas sans conséquences. Trois cents postes sur les 2400 que compte le siège de l’OMS à Genève seront supprimés. La perspective provoque déjà un vent de panique parmi le personnel. Les voyages, les publications ainsi que les recrutements seront limités, certains services vont devoir fusionner. Enfin, selon l’AFP, le budget de 4,8 milliards de dollars de l’OMS prévu pour 2012-2013 sera amputé d’un milliard, soit près de 25%. Responsable du programme Santé auprès de la Déclaration de Berne, une ONG, Patrick Durisch déplore le phénomène: «Les financements fixes calculés en fonction d’un pourcentage par Etat membre sont à la baisse. 80% des fonds publics de l’OMS proviennent de contributions volontaires. C’est un vrai problème. Ces contributions sont liées à des programmes spécifiques. Il est dès lors très difficile pour l’OMS de fixer des priorités à long terme.»

Face à ces difficultés financières, le partenariat privé-public suscite un intérêt croissant à l’OMS. Bill Gates en est l’exemple le plus parlant. A lui seul, il représente presque 10% du budget de l’organisation. En 2008, le milliardaire était le deuxième plus grand contributeur volontaire après les Etats-Unis. Cette année-là, il a versé 338,8 millions de dollars à l’OMS. Pour 2010-2011, son apport s’élève à 220 millions.

La difficulté relève des garde-fous à introduire pour que l’industrie n’exerce pas une influence démesurée sur la politique sanitaire de l’OMS. Au cours des deux dernières années, la pandémie de grippe A (H1N1) avait suscité un tollé. Parmi les experts conseillant l’institution onusienne figuraient plusieurs personnes issues de l’industrie pharmaceutique. Même si l’OMS avait institué une procédure visant à éviter les conflits d’intérêts, beaucoup nourrissaient des doutes, d’autant que l’institution spécialisée de l’ONU avait attendu la fin de la pandémie pour dévoiler le nom desdits experts. Autre exemple: dans un groupe de travail consultatif sur le financement de la recherche et du développement de l’OMS siège Paul Herrling. Proposé par la Suisse et nommé par le Conseil exécutif de l’OMS en janvier, ce directeur de recherche auprès de Novartis devra se prononcer sur un financement de 10 milliards de dollars dont il est lui-même à l’origine.

Les ONG ne cachent pas leur inquiétude par rapport à la réforme, même si elles ne sont pas opposées au partenariat privé-public. Le projet de Margaret Chan qui les préoccupe le plus, c’est la volonté de créer un Forum mondial de la santé dès novembre 2012 qui inclurait tous les acteurs de la santé, privés et publics. «En créant ce Forum mondial de la santé, on met l’industrie et le secteur privé sur le même plan que les acteurs publics et les ONG. Cela risque d’accroître sensiblement l’influence de l’industrie sur la politique sanitaire de l’OMS», souligne Tido Von Schoen-Angerer, directeur de la campagne pour l’accès aux médicaments auprès de Médecins sans frontières. Ce dernier juge nécessaire d’inclure l’industrie, notamment pharmaceutique, dans les discussions de l’OMS. Mais elle ne doit pas être partie prenante à la prise de décision. La crainte, c’est que ce forum enlève les prérogatives de l’Assemblée mondiale de la santé. «Plutôt que d’insérer la multitude d’acteurs privés dans la gouvernance de l’organisation, il faut affirmer un fort leadership de l’OMS et améliorer la participation du secteur privé dans le cadre actuel.» Conseiller politique auprès de l’ONG Oxfam, Rohit Malpani estime que le secteur privé a déjà une influence certaine sur l’OMS, notamment Bill Gates. Les discussions ne font que commencer. L’enjeu est majeur. Il s’agit de savoir si l’OMS restera le vrai pilote de la politique sanitaire mondiale ou si elle se contentera d’assurer la coordination.

OMS mercredi 18 mai 2011

Donateurs privés
Par S. Bu.
 

Liste de quelques contributeurs privés de l’Organisation mondiale de la santé

Quelques contributeurs privés pour l’année 2010

(lista de alguns cointribuidores privados da OMS, 2010)

Bayer AG: 560 500 dollars

Bill and Melinda Gates Foundation: 219 787 513 dollars

Bloomberg Family Foundation: 15 400 000 dollars

Eli Lilly and Company Foundation: 1.096.000 dollars

GlaxoSmithKline: 523 844 dollars

Lions Clubs International Foundation: 4.930.810 dollars

Nippon Foundation: 1.634?280 dollars

Novartis: 500 000 dollars

Rotary International: 71.933.568 dollars

Sanofi-Aventis: 4 417 959 dollars

Syngenta Crop Protection AG: 395 023 dollars

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4) Outras informações sobre a atuação da delegação brasileira na AMS

– O Ministro da Saúde, Alexandre Padilha se reuniu com a diretora geral da OMS e comentou que o Brasil pretende aplicar R$ 350 milhões na ampliação da fabricação de vacina.

(fonte: O Estado de São Paulo)

– O presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, reúne-se com Bill Gates, em 20 de julho, para tratar de investimentos em desenvolvimento de vacinas. O encontro foi acertado ontem pelo ministro Alexandre Padilha, na assembleia da OMS

(fonte:O Globo)

– Brasil, Rússia, Índia e China formaram uma coalizão para pressionar países ricos por maior acesso a remédios para as populações mais pobres, por uma reforma da OMS e pelo acesso a tecnologia de ponta para garantir uma produção local de medicamentos. A coalizão foi anunciada ontem (dia 17) em Genebra pelos ministros da Saúde dos quatro países do Brics (bloco de emergentes que conta também com a África do Sul). A primeira reunião ministerial ocorrerá na China, em junho. O ministro brasileiro, Alexandre Padilha, diz que o objetivo do grupo é retomar o controle da agenda internacional de saúde. Ele insiste que o combate a remédios falsos não pode ser confundido com a expansão do setor de genéricos.

(fonte: o Estado de São Paulo)

– Na noite do dia 16 houve um coquetel na embaixada brasileira em Genebra. A grande maioria da delegação brasileira esteve presente, mas o Ministro Alexandre Padilha não compareceu. Motivo: Jantar na embaixada americana. Ainda não se sabe o que está por trás desse convite, que, pelo visto, foi irrecusável.

(fonte: Twitter)