Por: Alexandre Padilha – Folha de São Paulo

Folha de São Paulo – Tendências e debates – 05.06.2011

Pesquisas apontam avanço do vírus entre os mais jovens, cuja vulnerabilidade talvez resida no fato de não terem sofrido perdas para a Aids

A comunidade internacional, reunida nesta semana em Nova York, debate os avanços e desafios da prevenção e do tratamento da Aids no momento em que se completam três décadas de convívio com o vírus HIV.

Do pânico inicial deflagrado pela doença, cujas primeiras manifestações foram detectadas em 1981, percorremos um longo caminho ao momento atual, no qual os portadores do vírus com acesso a tratamentos adequados têm qualidade de vida e longevidade preservadas.

Essa caminhada contou, sem dúvida, com grande protagonismo e pioneirismo do Brasil, que mostra na Reunião de Alto Nível sobre Aids das Nações Unidas êxitos e disponibilidade para ajudar os demais países, sobretudo os mais pobres, a enfrentar a doença.

Além das políticas de prevenção, diagnóstico precoce e acesso universal e gratuito ao tratamento antirretroviral, eixos da ação doMinistério da Saúde, levamos à conferência nossa parceria com a sociedade na elaboração das estratégias de combate à Aids e a outras doenças sexualmente transmissíveis.

Apresentamos também a lei sancionada pela presidenta Dilma que prevê a doação de dois dólares para cada bilhete aéreo internacional à Central Internacional para Compra de Medicamentos (Unitaid), sem que haja cobrança de taxa adicional aos passageiros.

Há 20 anos, quando foram descobertas as primeiras drogas, iniciamos a oferta do tratamento pelo Sistema Único de Saúde(SUS). Há 15 anos o serviço é universal, beneficiando, hoje, 210 mil brasileiros.

Atualmente, produzimos dez dos 20 medicamentos do coquetel distribuído aos pacientes e asseguramos uma rede de monitoramento do HIV, como os exames da carga viral e do sistema imunológico.

Com o estímulo à indústria nacional e a ampliação no atendimento, o custo individual caiu 24% desde 2003. Além de adquirir os remédios diretamente, com verbas próprias, o Ministério da Saúde repassa recursos aos Estados e aos municípios para apoiá-los na distribuição aos pacientes.

Esse conjunto de medidas tem resultados expressivos. Soropositivos diagnosticados na fase inicial da doença, por terem acesso ao tratamento, têm condições de vida e longevidade semelhantes a quem não tem o vírus.

Entre as crianças, a chance de superação da barreira de cinco anos após o diagnóstico disparou de 24% para 86% entre os anos de 1983 e 2007. Já a transmissão da mãe para o bebê durante a gestação caiu 44,4% de 1999 a 2009.

Por outro lado, realizamos esforços para a prevenção da contaminação, estimulando, sobretudo, a prática do sexo seguro.
Só neste ano, distribuiremos 1,4 bilhão de preservativos, além de campanhas de conscientização e orientação.

Com nossa política de redução de danos aos dependentes químicos, diminuímos o contágio por uso de drogas injetáveis de 25% no início dos anos 90 para 5,8% entre homens e 2% entre mulheres.

A eficácia de nossa sólida política preventiva é atestada pela estabilidade, ao longo da última década, da epidemia no Brasil. A experiência brasileira nos últimos 30 anos não nos isenta de reconhecer os desafios que a luta contra a Aids ainda impõe. Pesquisas apontam avanço do vírus entre as mulheres e entre os mais jovens, cuja vulnerabilidade talvez resida no fato de não terem sido parte da geração que sofreu, com perplexidade, a perda de ídolos, parentes e amigos para a Aids.

A superação desses obstáculos deve preservar a maior de nossas conquistas: a estruturação de rede de acolhimento, sem qualquer preconceito ou juízo de valor, para quem vive com HIV.Além de garantir a saúde, é fundamental continuarmos trabalhando pelo respeito à autoestima e à cidadania de todos.

ALEXANDRE PADILHA, 39, é ministro da Saúde.

Comentário

Os dados apresentados pelo Ministro Alexandre Padilha são muito relevantes e significativos, e deixam claro porque o Brasil é considerado um país de vanguarda na resposta à epidemia de Aids. No entanto, um tema no qual o Brasil também assumiu um grande protagonismo não foi citado. O Uso das flexibilidades de acordos internacionais para promover a defesa da saúde pública e a garantia do acesso a medicamentos. É sobretudo essa agenda, ligada ao tema da propriedade intelectual e do patenteamento dos medicamentos antirretrovirais que vai influir no futuro da resposta global à epidemia de Aids. A situação atual é preocupante, pois uma série de doadores que colaboraram para o aumento do tratamento no mundo nos ultimos 10 anos está recuando. Ao mesmo tempo, novos medicamentos estão surgindo e as possibilidades de produção de versões a preços mais acessíveis está sendo minada de diversas formas. Nesse cenário, é mais importante do que nunca a defesa de salvaguardas para que as necessidades de saúde sejam colocadas em primeiro lugar, uma defesa que sempre esteve na pauta do Brasil em foros internacionais. Mais do que falar sobre políticas de combate à Aids que foram bem sucedidas, o Brasil precisa estimular na Reunião de Alto Nível sobre Aids das Nações Unidas, que acontece essa semana em Nova Iorque, uma postura política de defesa do interesse público e a utilização de mecanismos que garantam a concorrência, a redução de preços e o acesso aos medicamentos antiretrovirais. O Ministro cita que pretende também levar para esse encontro a "parceria com a sociedade". Essa declaração é importante, mas é feita em um momento em que atores da sociedade civil reclamam de falta de transparência e participação por parte do Ministério da Saúde a respeito de parcerias público-privadas (PPPs) para a produção de medicamentos antiretrovirais (confira aqui as preocupações do GTPI enviadas ao governo). Nessas negociações também está em jogo o futuro da resposta à Aids, pois acordos fechados no Brasil estabelecerão precedentes para o resto do mundo. Uma negociação descuidada pode repercutir em problemas de acesso, visto que os recursos para aids estão cada vez mais limitados e os preços dos medicamentos estão voltando a subir. Se o Brasil não se furta a servir de exmplo pelos ótimos índices citados pelo Ministro, que também não fuja da obrigação de considerar o impacto global das negociações para pordução de medicamentos nas quais se envolve. Tamanha responsabilidade não pode ser conduzida de maneira legítima sem o respaldo da sociedade. Nesse sentido, o saldo do governo Dilma em temas de propriedade intelectual envolvendo medicamentos, especialmente os antiretrovirais, não tem sido nada animador. na Reunião de Alto Nível sobre Aids das Nações Unidas, que começa dia 8, esperamos que o Brasil não apenas mantenha sua posição internacional de vanguarda em relação à defesa dos preços baixos e garantia ao acesso a medicamentos essenciais, mas a faça valer em todas as negociações com os laboratórios transnacionais. Esperamos também que essas negociações sejam mais transparentes, de modo que a "parceria com a sociedade" citada pelo Ministro também seja sentida com satisfação pela outra parte.