Por: IP Watch
IP Watch – 11/08/2011
Luis Carlos Wanderley Lima, um alto funcionário responsável pela política brasileira de envolver o ministério da saúde no exame de pedidos de patente com potencial impacto na saúde pública, recentemente se demitiu em protesto a mudanças nessa política. Em uma entrevista com o Intellectual Property Watch, ele discute essa decisão, as mudanças na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), e potenciais violações do acordo de TRIPS da Organização Mundial do Comércio (OMC).
IP Watch: Você recentemente pediu demissão do seu cargo na ANVISA no Brasil, onde existe um funcionamento único de uma agencia de saúde examinando pedidos de patente. Você poderia explicar seu papel na Anvisa e por que você pediu demissão?
Durante quase 8 anos (Set/2003 à Jun/2011) fui o Coordenador da Coordenação de Propriedade Intelectual-COOPI, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária-ANVISA, do Ministério da Saúde do Brasil. Meu pedido de exoneração do cargo se deveu ao fato de que a anuência prévia, desde a edição do parecer da Advocacia Geral da União-AGU, em Jan/20011, deixou de existir ( mesmo que não tenha sido extinta oficialmente), porque a COOPI não poderá mais examinar os critérios da patenteabilidade de um pedido de patente para produto ou processo farmacêutico. Com isso não faz mais sentido se falar em anuência prévia
IP Watch: Como o processo de análise de patentes vai acontecer no Brasil daqui pra frente e por que?
O processo para a concessão de uma patente de medicamento no Brasil voltará a ser realizado com as mesmas características de antes da criação anuência prévia, ou seja, com apenas uma instituição, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial- INPI, órgão ligado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior-MDIC sendo responsável pelo exame dos pedidos. Este processo era e continua sendo muito lento ( hoje, uma patente para ser concedida no país leva em torno de 10 anos ), os examinadores do INPI dispõem de pouquíssimo tempo para analisar o mérito do pedido, as diretrizes de exame são muito pouco rigorosas para coibir as patentes imerecidas e ou as de má qualidade (estimula-se a concessão de patente de segundo uso, de polimorfos , de seleção, de estrutura Markush,etc) o que configura um claro
conflito entre o interesse público e o privado.
IPW: Quais são suas sugestões sobre o que a Anvisa e o Brasil podem fazer para solucionar os problemas que você aponta?
A "extinção" da anuência prévia foi uma decisão tomada no âmbito do Governo, porque a AGU é um órgão do Governo. Portanto, os problemas que foram criados não podem ser resolvidos com sugestões ou medidas como se fosse uma questão externa ao Governo, criada contra a sua vontade. Corrigir o problema é simples, basta anular a decisão que retirou a competência da Anvisa de examinar o mérito dos pedidos de patentes e sinalizar para a opinião pública e para os atores envolvidos no sistema de propriedade intelectual que a anuência prévia é um importante instrumento de saúde pública e uma prioridade de Estado e que ela foi criada para impedir as patentes imerecidas e as patentes de má qualidade. Dessa forma o Governo reforçaria a Política Nacional de Assistência Farmacêutica do Sistema Único de Saúde Brasileiro-SUS, o seu compromisso com o acesso da população aos medicamentos e o bem sucedido programa de medicamentos genéricos do país.
IPW: É compatível com o acordo TRIPS ter a Anvisa analisando pedidos de patentes farmacêuticas de acordo com os padrões de patenteabilidade (Novidade, atividade inventiva e aplicabilidade industrial)?
A anuência prévia da ANVISA foi criada pela lei 9279/96 no seu artigo 229 C. Portanto, ela não contraria nem a Lei e nem a Constituição do Brasil. O Acordo TRIPS prevê a soberania de cada país para organizar da melhor maneira que lhe convier o seu arcabouço jurídico-administrativo de modo a cumprir as determinações contidas no seu texto. Portanto, a anuência prévia é totalmente compatível com os compromissos assumidos pelo Brasil quando assinou o referido Acordo. Isto já foi reconhecido por juristas no país, bem como em consultas no âmbito internacional (OMC,etc)
IPW: É compatível com o TRIPS ter a Anvisa analisando pedidos de patentes farmacêuticas em termos de risco à saúde, da maneira que o escritório brasileiro de patentes (INPI) e o governo agora querem que a Anvisa faça?
A lei de propriedade Industrial Brasileira não estabelece como exigência para a concessão de uma patente de medicamentos quaisquer informações de origem sanitária. Portanto, no Brasil, como em qualquer lugar do mundo não se poderá avaliar o risco à saúde de um pedido de patente porque além da inexistência deste tipo de informação no pedido, esta análise/exigência contrariaria a lei brasileira e o Acordo TRIPS.
IPW: Então o governo brasileiro, ao responder aos interesses do setor farmacêutico transnacional, ironicamente adotou uma posição que efetivamente viola o TRIPS?
Não posso afirmar qual a razão que levou a AGU, que em última análise representa o o Governo do Brasil, a adotar este entendimento que extingue a anuência prévia, mas considero que a solução encontrada além de não poder ser sustentada pela lei 9279/96, viola o Acordo TRIPS e deixará o país num posição de fragilidade diante de uma possível instauração de solução de controvérsias no âmbito da OMC.
IPW: Quem no Brasil – dentre partidos politicos, organizações industriais, grupos da sociedade civil – defende ativamente a “anuência prévia” e a participação da Anvisa na análise de patentes?
A opinião pública dispõe de pouca informação sobre anuência prévia. Mesmo entre os profissionais de saúde há um grande desconhecimento sobre o seu significado. Apoio ativo, que eu tenha conhecimento, somente de algumas ONGs como a Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS-ABIA, os Médicos sem fronteiras- MSF e a Conectas Direitos Humanos. Entre os partidos políticos não existe uma posição oficial sobre o tema. Embora tenha sido criada pelo PSDB quando era Governo, hoje eu não saberia dizer se existe apoio de algum de seus parlamentares. Somente em alguns poucos parlamentares do PT e do PPS identifiquei apoio à anuência prévia nos últimos anos. No âmbito das organizações ligadas a indústria farmacêuticas temos, de um lado, a forte e absoluta oposição da INTERFARMA. E, de outro, se é que ele ainda existe, o acanhado apoio da ABIFINA. A Pró-Genéricos apesar da confluência de interesses. também não manifesta de maneira clara o seu apoio.
IPW: Por que a Anvisa e o Ministério da Saúde aceitaram esses encaminhamentos ao invés de lutar para manter o papel da Anvisa?
Não posso falar pela ANVISA e nem pelo Ministério da Saúde, sobre porque houve uma aceitação tão tranqüila e pacífica do parecer da AGU. Posso arriscar uma interpretação dos fatos que é tão boa quanto qualquer outra de que, ou eles não consideraram que o tema era importante o suficiente para se colocarem contra uma medida adotada pelo seu próprio governo, porque em ambos os casos os dirigentes máximos são militantes do partido do governo ou então, não estavam suficientemente informados ou convencidos da importância da anuência prévia. Foi por isso, por sentir falta de uma posição mais firme em defesa da anuência prévia que pedi para deixar a Coordenação, porque percebi que a minha posição não era mais aquela que a direção da ANVISA defendeu no passado. Um dos problemas da ação política é a confusão que se estabelece entre o compromisso com as políticas de governo e o compromisso com as políticas de Estado. Outra dificuldade comum é a de se ter o necessário discernimento quando se apresenta o desafio entre escolher o que é correto ou o que é adequado. Este dilema me faz lembrar um filme italiano dos anos 70, chamado “Cadáveres Ilustres”, em que no fim o personagem principal dizia que: “… nem sempre, a verdade é revolucionária…”.
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