Por: MSF
Gabriela Chaves, farmacêutica da Campanha de Acesso a Medicamentos Essenciais de MSF
Publicada em 16/08/2011
16 de Agosto de 2011- A farmacêutica Gabriela Chaves avalia o impacto de preços elevados para medicamentos em países como o Brasil
Todo ano, MSF publica uma pesquisa sobre os preços mais atualizados de medicamentos antirretrovirais (ARVs) usados para tratar a infecção pelo HIV/Aids nos países em desenvolvimento. Essa iniciativa começou como uma forma de oferecer um guia prático para governos e outros fornecedores de tratamento para ajudá-los a encontrar os medicamentos mais acessíveis para tratar HIV/Aids e para evidenciar as dificuldades para se promover o acesso a eles. Além disso, ao tornar os preços públicos, o documento pretende estimular a concorrência entre produtores de medicamentos de modo a reduzir os preços. O relatório também oferece um panorama dos principais desafios, tendências e progressos no acesso aos antirretrovirais.
Este ano, a principal conclusão é a crescente e alarmante diferença entre os preços dos antiretrovirais praticados nos países mais pobres e nos países de renda baixa e média, onde vivem grande parte das pessoas com HIV/Aids. As empresas estão, cada vez mais, deixando de oferecer preços padronizados nesses países, e negociando caso a caso, o que, conforme observamos, gera preços elevados.
Gabriela Costa Chaves é farmacêutica da Campanha de Acesso a Medicamentos Essenciais de MSF, departamento que organiza o relatório anual. Baseada no Rio de Janeiro, no Brasil, ela tem uma posição chave para avaliar o impacto de preços elevados para medicamentos em países como o Brasil.
A ideia de cobrar preços diferenciados para medicamentos em diferentes partes do mundo é nova?
Não, as grandes empresas farmacêuticas geralmente oferecem medicamentos a preços diferenciados de acordo com o status econômico de cada país – são as chamadas políticas de preços diferenciados. Mas neste ano, pela primeira vez, nós percebemos uma diferença inacreditável entre os preços para medicamentos que as empresas estão oferecendo para os países mais pobres e os preços que estão sendo cobrados em países de renda média. Por exemplo, o Raltegravir é um dos medicamentos antiretrovirais mais novos, e o Brasil está pagando mais de US$ 5,870 por tratamento/ano para cada paciente. Mas em países de renda baixa, o mesmo medicamento é comercializado pela empresa por cerca de US$ 1,000. Então você pode ver que existe uma grande diferença e esse alto custo pode ameaçar a sustentabilidade do programa nacional de tratamento de Aids aqui no Brasil.
Empresas farmacêuticas dizem que como o Brasil tem financiado tratamento gratuito para todos que necessitam por alguns anos, o país claramente tem recursos para pagar mais por medicamentos do que países mais pobres que não têm programas nacionais de tratamento tão bem sucedidos. É um argumento justo?
Não. Só porque o Brasil de fato oferece tratamento antiretroviral para todos aqueles que necessitam, não significa que o país pode pagar qualquer preço pelos medicamentos. Na realidade, é justamente por ter desempenhado um papel precursor e de liderança na ampliação do acesso ao tratamento para Aids, que o Brasil está vivenciando agora muitos dos problemas que todos os países em desenvolvimento ainda vão enfrentar.
O Brasil tem oferecido tratamento gratuito para todos que necessitam nos últimos quinze anos e isso significa que os pacientes aqui estão em tratamento há mais tempo que outras partes do mundo. Então, como o tratamento com o que é chamado de primeira linha de medicamentos para de ser efetivo ao longo do tempo, cada vez mais pacientes agora precisam mudar para novos medicamentos de HIV/Aids – tais como o Raltegravir, que custa bem mais caro que os medicamentos antigos.O que está acontecendo aqui no Brasil vai começar – já está começando – a acontecer em todos os países em desenvolvimento, na medida em que os pacientes começam a desenvolver resistência aos medicamentos de primeira linha.
O que o Brasil está fazendo para tentar reduzir esses preços?
Bem, o governo tem utilizado diversas estratégias. Entre elas, pressionar as empresas farmacêuticas a reduzirem os preços, baseado no conhecimento dos custos da produção. O Brasil já está produzindo versões genéricas de alguns medicamentos que não têm patentes, deste modo conseguiu calcular custos de produção de medicamentos patenteados. Outra estratégia que o governo adotou foi a de implementar as flexibilidades disponíveis dentro das regras internacionais de comércio (TRIPS) para proteger a saúde pública – por exemplo, o uso de licença compulsória para possibilitar uma produção local de medicamentos a preços mais acessíveis.
Em 2007, por exemplo, depois de negociações diretas de preço com uma empresa fracassarem, o governo optou por emitir uma licença compulsória para a produção local do medicamento antiretroviral Efavirenz. Naquela época, 75 mil pessoas no Brasil estavam sendo tratadas com esse medicamento e foi estimado que o país economizaria cerca de 236 milhões de dólares ao longo de cinco anos ao utilizar uma versão genérica do medicamento.
Especificamente para o novo medicamento mencionado, Raltegravir, como o Brasil espera reduzir o preço de US$ 5,870 por paciente por ano?
Bem, de fato, o governo anunciou que está negociando uma transferência de tecnologia com a empresa para a produção local do Raltegravir. Foi anunciado que, por meio dessa transferência, o preço do medicamento reduziria de US$ 5,800 para US$4,000. Isso é algo novo e precisamos acompanhar de perto. Não é uma grande redução de preço se comparada com as atingidas via concorrência entre genéricos para outros medicamentos no passado, por isso os termos do acordo são essenciais e talvez existam caminhos mais efetivos para reduzir o preço. É importante que os termos de qualquer acordo beneficiem a população brasileira, é claro, mas qualquer decisão ou iniciativa tomada pelo Brasil nessa área de acesso a medicamentos também representará um precedente para outros países em desenvolvimento. Então nós precisamos avaliar como esse tipo de acordo pode impactar a capacidade de outros países em desenvolvimento em acessar medicamentos importantes.
O Brasil é um dos muitos países atingidos por esses altos preços. O Brasil compartilha problemas com outros países como Índia, China, África do Sul – esses países compartilham também soluções comuns para combater altos preços?
O Brasil, como outros países, deveria assegurar que flexibilidades do Trips
Nós estamos em um ponto de virada na luta contra o HIV/Aids – o quão importante é levar adiante essa mensagem de que o tratamento para Aids a preços acessíveis deve ser viabilizado para todas as pessoas vivendo com HIV em países em desenvolvimento?
Eu penso que nós estamos diante de um cenário onde por um lado os direitos de propriedade intelectual, incluindo patentes sobre medicamentos novos, estão sendo cada vez mais garantidos e, ao mesmo tempo, em um ponto da epidemia de HIV/Aids onde a ciência está nos dizendo que o tratamento com antiretrovirais também pode prevenir a transmissão do vírus. Isso representa uma revolução na maneira como enfrentamos essa doença, de modo que é ainda mais crucial que todas as pessoas que precisam, em todos os países em desenvolvimento, tenham acesso a medicamentos antiretrovirais.
*Licença compulsória (LC) é o direito, garantido pelas leis internacionais de comércio (TRIPS), de o Estado permitir que outros produtores produzam medicamentos que estão sob patente, baseados no interesse público.
**Pool de Patentes de Medicamentos (MPP) é uma fundação e foi estabelecido em 2010 como um modo de acelerar o desenvolvimento de medicamentos para HIV/Aids a preços acessíveis. Pools de patente já foram usados no passado para estimular a inovação e promover a concorrência em áreas tecnológicas como máquinas de costura, aeronaves, clonagem de animais e compressão de áudio. Por meio de um pool de patentes, dois ou mais detentores de patentes concordam em compartilhar seus direitos de propriedade intelectual entre si ou com terceiros por meio da negociação de licenças.
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