Por: Folha de São Paulo


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Folha de São Paulo – 22/09/2011

Nesta semana, a presidente Dilma Rousseff defendeu, em reunião de alto nível com chefes de Estado, em Nova York, que as doenças crônicas não transmissíveis podem motivar quebra de patentes de remédios, assim como aconteceu com medicamentos contra a Aids.

Em NY, Dilma diz que saúde é prioridade e defende acesso a medicamentos

A estratégia, porém, não é vista como prioridade para reduzir a incidência e melhorar o tratamento dessas doenças, segundo especialistas consultados pela Folha.

São consideradas doenças crônicas não transmissíveis câncer, diabetes, problemas cardíacos e pulmonares.

Remédios necessários para o tratamento e a prevenção de doenças cardiovasculares já tiveram suas patentes expiradas e estão disponíveis na rede pública, afirma Luiz Antonio Machado César, presidente da Socesp (Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo).

A exceção é um remédio lançado há pouco para um tipo de arritmia, que previne contra derrames.

A novidade, chamada dabigatrana, custa seis vezes mais do que a varfarina, remédio usado para o mesmo fim há décadas e com mais efeitos colaterais.

No caso do diabetes, Airton Golbert, presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, diz que o tratamento depende muito do paciente e da mudança de estilo de vida.

"Diabetes não é só medicação. Antes de fazer a quebra de patente seria melhor oferecer programas mais eficientes de acompanhamento dos pacientes para que eles controlem a doença", afirma.

CÂNCER

O cenário é um pouco diferente no caso de câncer. "As novas drogas oncológicas custam entre R$ 10 mil e R$ 20 mil a dose", afirma Max Mano, professor assistente de oncologia da USP e médico do Icesp (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo Octavio Frias de Oliveira).

Por outro lado, diz, são drogas muito complexas, cujas versões genéricas não seriam muito mais baratas. O preço seria no máximo 20% menor do que o do medicamento de referência.

Mano lembra ainda que a quebra de patentes pode acabar com o estímulo para o desenvolvimento de remédios. "À primeira vista, o licenciamento compulsório pode parecer uma coisa fantástica para o paciente, mas ele mesmo pode ser prejudicado pela falta de inovação que isso pode causar", diz Tiago Matos, diretor jurídico do Instituto Oncoguia, que dá apoio ao paciente com câncer.

Matos diz que a quebra de patentes poderia beneficiar muitas pessoas, mas deve ser avaliada com cautela. "É uma medida extrema. Não pode valer como regra."

Na oncologia, as prioridades devem ser o diagnóstico precoce e a continuidade do tratamento, diz Max Mano.

Segundo Antonio Brito, presidente executivo da Associação da Indústria Farmacêutica, a "maioria absoluta" desses remédios não está protegida por patentes.

 

Por Mariana Versolato

 

Comentário

 

Em primeiro lugar, o GTPI considera extremamente preocupante ver médicos defendendo os lucros astronômicos das farmacêuticas transnacionais. São conhecidas as táticas – viagens, amostras grátis, brindes – dos grandes laboratórios para “conquistar” a classe médica. Este tema foi, inclusive, incluído no último Código de Ética Médica como motivo de grande preocupação. Trocar a defesa saúde pública para assegurar benefícios próprios é uma prática pequena e inaceitável.

Em segundo lugar, existem imprecisões que precisam ser corrigidas. No Brasil, a resolução 02/2004 da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos, em seu artigo 12 diz que o preço do medicamento genérico tem de ser, obrigatoriamente, 35% menor do que o preço do medicamento de referência. Então, por mais que os custos de produção do medicamento sejam altos, como citado pelo Professor Dr. Max Mano, eles não seriam somente 20% mais baratos. E ainda que fossem, diversos estudos comprovam que a concorrência é o fator mais eficiente para redução de preços no setor farmacêutico.

Em terceiro e último lugar, a questão não gira em torno de se há muitas ou poucas patentes. A preocupação daqueles que defendem a saúde recai sobre o efeito de qualquer patente no acesso a medicamentos: o uso abusivo do monopólio pode ter efeitos graves no acesso. A título de exemplificação, o medicamento Olanzapina, um antipsicótico, quando estava sob patente no Brasil, era encontrado no mercado internacional por preços até 65 vezes mais baratos que aqueles praticados no mercado brasileiro. Situação semelhante a do medicamento mesilato de imatinib, para câncer, que é vendido no Brasil por R$120,00/comprimido e tem versões genéricas por menos de R$7,00/comprimido.

Assim, a patente é, sem dúvida alguma, uma grande barreira pro acesso. A licença compulsória – vulgarmente chamada de “quebra de patentes” – é uma medida legal, legítima e amplamente utilizada por países desenvolvidos. Seu uso tem de ser feito sempre que um abuso do titular da patente impeça ou dificulte o acesso aos medicamentos essenciais. Saúde não é mercadoria.