Hoje, dia 11 de março de 2016, foi realizado em Genebra, na sede das Nações Unidas (ONU), o evento paralelo “Soberania e salvaguardas do acordo TRIPS: desafios enfrentados por Brasil e Argentina para proteger o direito à saúde”. O evento, organizado pelo GTPI em parceria com a RedLam (Rede Latino-Americana pelo Acesso a Medicamentos), constou na programação oficial da 31a Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU e contou com a presença de membros da diplomacia Brasileira como representantes das missões na Organização Mundial de Saúde e na Organização Mundial do Comércio. Também estiveram presentes representantes de organismos multilaterais como a UNITAID e de organizações da sociedade civil como o South Centre.
O evento teve transmissão ao vivo e ao todo cerca de 50 pessoas acompanharam os debates promovidos pelo painel composto por Carlos Correa, professor da Universidade de Buenos Aires – Argentina, Marcela Vieira, coordenadora do GTPI e Pauline Londeix, coordenadora da ONG “Access” da França.
As apresentações convergiram para o diagnóstico comum de que o sistema de patentes não cumpre suas premissas relacionadas à inovação e à satisfação do interesse público. Conforme demonstrado pelo Professor Carlos Correa, empresas farmacêuticas arquitetaram o desenvolvimento do acordo TRIPS, que tornou obrigatório o patenteamento de medicamentos, e desde então têm adotado uma série de práticas de patenteamento das quais elas mesmas são as únicas beneficiárias. Pauline Londeix focou sua apresentação no debate sobre preços, exemplificando o caso da França, onde há pouco tempo atrás era impensável a distribuição de um medicamento de forma fracionada. Citando o exemplo do medicamento Sofosbuvir, para Hepatite C, Pauline demonstrou como patentes são o ponto de partida para uma serie de estratégias de segmentação de mercado e de pressão bilateral que coloca os preços num patamar elevado num número cada vez maior de países. No caso da França, se chegou a cogitar uma ação do governo para minimizar o impacto negativo da patente do sofosbuvir, mas esta foi logo desarticulada pelo poderoso lobby das empresas farmacêuticas.
Já Marcela Vieira apresentou as experiências de Brasil e Argentina voltadas para estabelecer mecanismos que previnem o dano causado por patentes. Ambos os países adotaram critérios ou procedimentos rigorosos para examinar patentes, ampliando assim a quantidade de rejeições de pedidos feitos por empresas multinacionais. Apesar da legitimidade dessas práticas, que tem como base a defesa do interesse público e do direito à saúde, ambos os países estão sendo alvos de ações judiciais movidas por associações de multinacionais farmacêuticas. Tais ações, conforme explicou Marcela, tem como único objetivo destruir esses mecanismos de defesa da saúde, agravando assim um quadro de violação de direitos humanos.
Marcela apresentou dados sobre os benefícios desses dois mecanismos. Na Argentina por exemplo, onde foram adotadas diretrizes de exame de patente na área farmacêutica em 2012 , houve grande aumento da rejeição de pedidos de patente. Após a entrada em vigor das novas diretrizes, 95% dos pedidos de patentes para medicamentos antiretrovirais foram rejeitados. Antes de 2012, a taxa de rejeição era de 51%. Já no Brasil, Marcela apontou que a participação da ANVISA no exame de patentes farmacêuticas, estabelecida na lei de patentes brasileira como Anuência Prévia, tem sido extremamente importante, pois cerca de 400 patentes que seriam concedidas foram rejeitadas após a analise da Anvisa. Além disso, cerca de 40% das patentes aprovadas pela ANVISA tiveram que realizar algum ajuste como redução do escopo.
O ataque a esses dois mecanismos corrobora a tese de que o sistema de patentes se desvirtuou e serve hoje apenas para garantir poderes cada vez mais amplos de monopólio para empresas farmacêuticas multinacionais, a custa de sistemas de saúde e da vida de milhões de pessoas. Esse funcionamento revela como o sistema de patentes gera violações de direitos humanos e desrespeito a soberania dos países que se dedicam a proteger suas populações.
A luz dessa discussão foi anunciada a campanha “Coorporações farmacêuticas: abandonem o caso” que tem como objetivo primário demandar o abandono imediato dos casos judiciais em curso no Brasil e na Argentina, e como objetivo secundário a consolidação do entendimento de que empresas tem que ser responsabilizadas e punidas por violações de direitos humanos desse tipo.
Segue abaixo o vídeo da transmissão feita ao vivo pelo evento: as falas começam no minuto 26′ 30.
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