O GTPI/Rebrip divulgou nesta segunda-feira (24), uma carta aberta ao ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e Serviços (MDIC), Marcos Pereira, expondo preocupação com a proposta do decreto que pretende acelerar a concessão de patentes visando o fim do acúmulo de pedidos (backlog). O grupo argumenta que a medida, chamada de “solução extraordinária”, atenderá aos interesses de empresas transnacionais, concedendo patentes para pedidos que não tenham qualquer mérito, colocando em segundo plano o interesse público.
A carta se alinha com outras manifestações como o artigo publicado pelo jurista Pedro Marcos Barbosa e a carta enviada também ao ministro Marcos Pereira pela Associação de Funcionários do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Afinpi). O Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz (CEE-Fiocruz) também divulgou artigo denunciando a “solução extraordinária”, prevendo uma enxurrada de aprovações sem as devidas análises atendendo somente aos interesses das grandes empresas farmacêuticas.
Segue a Carta abaixo:
Rio de Janeiro, 24 de julho de 2017
Carta aberta ao Excelentíssimo Senhor Marcos Pereira Ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e Serviços
Excelentíssimo Senhor,
As organizações não governamentais abaixo assinadas compõem o Grupo de Trabalho
sobre Propriedade Intelectual da Rede Brasileira Pela Integração dos Povos (GTPI/Rebrip),
fundado em 2003 sob a coordenação da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS –
ABIA. Nossos esforços são destinados à ampliação do acesso a medicamentos no Brasil e
no Sul Global e pelos direitos das pessoas vivendo com HIV no Brasil entre outras.
Durante anos, o esforço do GTPI foi no sentido de promover o entendimento de que o
sistema de patentes não é um fim em si mesmo. Pelo contrário, o sistema de patentes serve
à sociedade e o ato de retirar uma tecnologia, ou conhecimento do domínio público deveria
ser a exceção, baseada em critérios aplicados de forma rígida.
Por meio da matéria do Jornal Valor Econômico, do dia 19 de julho de 2017, tomamos
conhecimento de uma iniciativa proposta pelo Ministério da Indústria, Comércio Exterior e
Serviços (MDIC) por meio de decreto para eliminar o backlog de patentes do Instituto
Nacional da Propriedade Industrial (INPI). A demora para análise de patentes é tema de
preocupação para o GTPI, uma vez que pode proporcionar aos detentores de patentes,
monopólios de fato, ainda que os pedidos não tenham qualquer mérito. Em 2016, por meio
de um estudo feito pelo IE/UFRJ, em parceria com ABIA/GTPI, provamos que o backlog
beneficia unicamente os depositantes – em sua imensa maioria firmas transnacionais. O
estudo comprova que ao atrasar em média 4 anos a entrada de versões genéricas de
apenas 9 medicamentos utilizados no SUS, o parágrafo único do Art. 40 da LPI gera um
prejuízo acumulado de mais de R$ 2 bilhões
Assim, causa-nos enorme preocupação a possibilidade de edição de um decreto cujo
principal objetivo seja tão somente acelerar a concessão de patentes, sem levar em
consideração os critérios constitucionais de promoção do interesse social e
desenvolvimento tecnológico e econômico do país. Afinal, é sabido que esta medida de
aceleração da concessão de patentes, mesmo tipo como “solução extraordinária” atenderá
sobretudo aos interesses de empresas transnacionais, sem garantia de que isso se
desdobre em desenvolvimento para o país.
Em que pese a necessidade de promover maior eficiência na análise dos pedidos de
patentes, ela deve vir necessariamente associada à proteção da saúde pública, ao interesse
social e a uma política pública de desenvolvimento industrial e tecnológico brasileiro. E,
mais do que isso, não se pode querer compensar a falta de estrutura e déficit de
examinadores com medidas extraordinárias que não trarão benefícios à sociedade
brasileira.
Em poucas palavras, a “solução extraordinária” deturpa totalmente a lógica do sistema de
patentes, desvaloriza o examinador, transformando-o em carimbador, e coloca o Brasil em
situação extremamente vulnerável juridicamente, pois viola a Constituição Federal e as
normas internacionais. Desnecessário dizer que esta medida certamente será contestada
judicialmente.
Manifestando profunda preocupação e reafirmando nosso compromisso de trabalhar no
sentido de dotar o Brasil com a melhor análise de patentes possível, uma análise que
defenda o interesse público, que tenha em consideração que o monopólio só deve ser
concedido caso realmente a tecnologia se prove merecedora, repudiamos veementemente
o decreto acima mencionado. O atraso no exame de patentes do Brasil só poderá ser
solucionado com políticas públicas sérias e transparentes e não com medidas midiáticas
que atendem tão somente o interesse das grandes corporações transnacionais.
Quem somos?
O GTPI/Rebrip é um coletivo de organizações da sociedade civil, movimentos sociais,
ativistas e pesquisadores formado em 2003 com atuação no tema da propriedade intelectual
e acesso à saúde no Brasil. O GTPI atua a partir de uma perspectiva de interesse público,
trabalhando no sentido de mitigar o impacto negativo das patentes na garantia de acesso da
população a medicamentos e na sustentabilidade de políticas públicas. Atualmente, o GTPI
é formado pelas seguintes organizações:
Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS – ABIA (coordenação)
Conectas Direitos Humanos
Federação Nacional dos Farmacêuticos – FENAFAR
Fórum das ONGs-AIDS do Estado de São Paulo
Fórum das ONGs-AIDS do Rio Grande do Sul
Fórum das ONGs-AIDS do Maranhão
GESTOS – Soropositividade, Comunicação & Gênero
Grupo de Apoio à Prevenção da AIDS – São Paulo – GAPA/SP
Grupo de Apoio à Prevenção da AIDS – Rio Grande do Sul – GAPA/RS
Grupo de Incentivo à Vida – GIV
Grupo Pela Vidda – São Paulo
Grupo Pela Vidda – Rio de Janeiro
Grupo de Resistência Asa Branca – GRAB
Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – IDEC
Médicos Sem Fronteiras – Campanha de Acesso a Medicamentos/Brasil
Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/AIDS – Núcleo São Luís do Maranhão
Universidades Aliadas por Medicamentos Essenciais – UAEM/Brasil
Foto: planalto.gov.br
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