Entrevista com o coordenador regional da Coalizão Internacional de Preparação ao Tratamento, Loon Gangte, foi realizada em Hydebarad, na Índia, no último dia 4

B: Você pode se apresentar?

L.G: Meu nome é Loon Gangte. Eu trabalho para a Coalizão Internacional de Preparação ao Tratamento como coordenador regional para o sul da Ásia. Também sou o fundador da Rede Delhi de Pessoas Positivas, que é uma rede de pessoas vivendo com HIV / AIDS com sede em Delhi. E nestas duas organizações, trabalhamos principalmente pelo acesso ao tratamento. Estamos tentando colocar os remédios e as pessoas juntas. E se há uma barreira no meio, tiramos para que a pessoas tenham medicamentos, é isso que basicamente estou fazendo.

B: Em que sentido o RCEP (Parceria Econômica Regional Integral) é ruim para medicamentos e acesso a medicamentos?

Se a proposta de provisão de propriedade intelectual proposta pelo Japão for adiante, isso vai impedir a capacidade indiana de produzir medicamentos genéricos baratos e efetivos, o que afetará não apenas a Índia. Se você observar apenas o caso do HIV, mais de 70 milhões de pessoas estão confiando no medicamento genérico indiano em todo o mundo. E não apenas para HIV, mas para hepatite C, tuberculose e muitos outros. O que o Japão propôs é mais do que a Organização Mundial do Comércio (OMC) exige. Estas provisões “TRIPS-Plus” prolongam a proteção de longo prazo e a exclusividade de dados, o que é muito perigoso. E o Japão propõe um capítulo de reforço à Propriedade Intelectual. Assim as empresas podem não só processar o governo, como processar organizações como a nossa. Essas coisas são muito técnicas para o leigo entender. Eu costumava explicar à minha comunidade: essas propostas comerciais bilaterais são uma bomba envolvida em chocolate. Se você descascar e descascar, você verá a bomba. Mas por fora é chocolate. Portanto, é realmente muito perigoso para o país e para os cidadãos.

B: Você está dizendo que é bastante técnico, o que é verdade. Então, como você consegue mobilizar pessoas?

L.G: Eu vim por todo o caminho de Delhi e meu povo está vindo agora de trem exclusivamente para o protesto na segunda-feira. Não me importo se você negocia minha camisa, minhas calças, meu celular ou meus sapatos, não há problema – mas quando você tenta negociar minha vida… porque se a proposta do Japão passar, ela irá parar a vida de muitos. Todas as manhãs e à noite tomamos nossa pílula, é nossa medicação vitalícia. Isso será interrompido e a Índia não poderá produzir a medicação. Então vamos voltar para a era anterior ao ano 2000, onde o preço era de US$12 mil por pessoa ao ano. Eu não poderia pagar isso. Nem meu governo. Então é um impacto direto sobre nós. Não se trata de cidadãos indianos contra o Japão, ou se somos pró-Índia, viemos aqui para lutar por nossas vidas. Nada mais.

Você vê uma ligação entre o RCEP e outros acordos comerciais como Índia-União Europeia ou Acordo Transpacífico ?

L.G: Todos são iguais. A arquitetura é a mesma. Por trás sempre vem na forma de um país. Mas a arquitetura real são as grandes farmacêuticas, que são as pessoas que colocam as pessoas no poder, penso. O resultado é que os governos tornam-se fantoches das grandes multinacionais farmacêuticas. Seja o RCEP, ou o Acordo Transpacífico, ou Índia-União Europeia (UE), o texto é o mesmo. Cada vez que colocamos um acordo bilateral, lutamos ferozmente contra o Acordo Regional de Comércio Livre Índia-UE por cerca de sete, oito anos em Delhi e conseguimos detê-lo. Nos últimos três ou quatro anos, ficou silencioso. Após 13 rodadas de negociações, o governo precisa fazer um acordo, conseguimos fazê-lo de alguma forma. Do lado da UE também, conseguimos retirar algumas cláusulas de Propriedade Intelectual, mas eles voltam de uma forma diferente. O que a UE costumava fazer, agora está sendo repetido por japoneses e coreanos. O que os EUA não estão fazendo, a UE faz. Daí é como passar um bastão. “Agora você não faz isso, você é o menino ruim, então me passe o bastão e eu irei para algum lugar fazer isso”. É a mesma merda em todos os lugares essas ofertas bilaterais, em termos leigos. Tem potencial para matar cidadãos, a massa, a sociedade e só irá beneficiar as multinacionais, nada mais sobre esse comércio bilateral.

B: Então como você acha que devemos avançar? Como podemos mobilizar mais pessoas na Ásia, por exemplo?

L.G: Nesta manhã (4) (em uma reunião sobre acesso a medicamentos) falamos sobre como organizar um protesto, sobre permissão, etc. Para mim, se não nos derem uma licença e todas essas coisas, tudo bem, porque eu não tenho medo da polícia, do cacetete, de vara ou canhão de água. O que temo é perder a minha vida e a comunidade com quem trabalho. Se isso acontecer, morreremos de qualquer maneira, mas se protestamos estamos apenas tentando defender as nossas vidas. Não tenho medo de nada nesses protestos. É bom fazer negócios, mas se a Índia e outros países desejam fazer negócios, na barganha, não nos mate. Esta é a nossa mensagem. Não preciso de permissão em nenhum lugar deste mundo pra defender a minha vida. Eu irei protestar onde quer que estejam tentando tomar uma decisão.

Traduzido de bilaterals.org

Imagem: bilaterals.org