É uma aposta de que uma criação de Oxford funcione e seja aprovada. O chefe do laboratório afirma seguir um pressentimento em nome de um compromisso com a saúde pública.
No dia 21 de abril, o chefe do Serum Institute, da Índia, Adar Poonawalla, um dos maiores produtores mundiais de vacinas, chegou ao trabalho cheio de otimismo sobre uma nova vacina para a Covid-19 criada pelo Jenner Institute, da Universidade de Oxford. Em tempos normais, produtos que o Sr. Poonawalla fabrica são vacinas comprovadas e eficazes. Eles têm aprovação regulatória e um pedido foi feito a eles. Estes não são tempos normais. Naquela manhã, Poonawalla fez uma ligação curta para seu pai, Cyrus, que fundou a empresa em 1966. Os dois concordaram que o Serum Institute começaria a fabricar em massa a vacina ChAdOx1 nCoV-19 criada pelo Jenner Institute. Além disso, eles o fariam em escala tão grande que haverão de 40 a 50 milhões de doses até setembro.
O movimento sem precedentes será caro, envolve o reaproveitamento de uma fábrica recém-construída que custa US$ 80 milhões (R$ 465,1 milhões). O investimento para a produção desta quantidade de vacina chegará a cerca de US$ 30 milhões (R$ 174,4 milhões). No entanto, o número permanece incerto no estágio atual (ainda não está claro o quanto do produto será necessário para cada dose efetiva). Se os testes realizados ainda este ano mostrarem que a vacina não funciona, a empresa – que tem receita de US$ 800 milhões (R$ 4,6 bi) – terminará com uma conta grande e um grande estoque de produtos inutilizáveis. “Eu nunca tomei uma decisão como essa antes e espero nunca ter que tomar outra vez”, diz Poonawalla.
Ele chama a decisão de um pressentimento e um tipo pessoal de compromisso com a saúde pública. O acordo não é contratual, mas um “acordo de cavalheiros”, diz Adrian Hill, chefe do Instituto Jenner. Várias outras empresas, ainda não divulgadas, estão trabalhando em acordos com Oxford para produzir a vacina. “Nenhuma empresa pode produzir as doses necessárias e nenhuma empresa deve ter essa autoridade”, disse Poonawalla. O Serum Institute provavelmente será o fornecedor de vacinas para países de baixa e média renda, diz Hill.
Como o Serum Institute é uma empresa familiar, a decisão foi direta. Pai e filho não são responsáveis perante os investidores. Mas o instituto ainda é um negócio e o dinheiro da família está em jogo. Embora a decisão ponha em risco o dinheiro, vários fatores fazem a escolha mais do que um tiro no escuro. No jargão do negócio, a vacina usa uma “plataforma” comprovada. Em termos simples, isso significa que as vacinas contra o Ebola, MERS e malária foram feitas da mesma maneira: a potencial vacina contra a Covid-19 terá proteínas do vírus SARS-CoV-2 para municiar o sistema imunológico, permitindo que o corpo reconheça o vírus e desenvolva uma resposta imune, impedindo a Covid-19 de infectar o corpo – caso a vacina funcione.
Processo em marcha
Na semana desde que foi tomada a decisão de fabricar em massa a nova vacina, o Serum Institute avançou rapidamente. Chegou a um acordo não escrito com a Universidade de Oxford, projetou um teste a ser realizado na Índia que permitirá que a vacina obtenha uma licença, identificou os prédios que usará e começou a tomar providências para importar a vacina. A empresa precisará começar a executar alguns lotes experimentais nas próximas duas semanas, a fim de mostrar que as vacinas estão sendo feitas com a especificação correta, produzindo o rendimento correto e produzindo uma qualidade consistente. Poonawalla diz que está bastante confiante de que poderá conseguir isso até 30 de maio. “Tudo precisa estar pronto e padronizado para que se produza milhões de doses de uma vacina que deve ser administrada com segurança aos seres humanos”, explica.
A grande questão, é claro, é quando o grupo de Oxford – que parece estar no topo de uma corrida global por vacinas – poderá mostrar que ela realmente funciona. Nos últimos dias, surgiram detalhes de testes bem-sucedidos em animais. Seis macacos rhesus receberam uma dose única de ChAdOx1 nCoV-19 antes de serem expostos a Covid-19. Quase um mês depois, eles permaneceram saudáveis. Os testes de eficácia começarão no próximo mês na Grã-Bretanha e envolverão 5 mil pessoas. Um fator complicador neste estudo é a necessidade de infecções comunitárias contínuas pela Covid-19, para que o estudo possa demonstrar eficácia. Se houver uma disseminação baixa da comunidade, levará muito tempo para surgir uma diferença entre um grupo vacinado e um grupo de controle que não foi vacinado.
Isso significa que outros testes de eficácia são necessários em outros países, como a Índia, caso o teste falhe simplesmente devido ao baixo número de infecções. Hill diz que a equipe também está considerando testes de desafio – em que voluntários saudáveis são deliberadamente infectados com o vírus. Isso é muito mais rápido e pode levar apenas algumas semanas para gerar um resultado. Até agora, no entanto, a equipe não tem ideia de como pode ser uma dose aceitável para esse estudo. Mas, ele diz com algum eufemismo, as coisas estão se movendo “extraordinariamente rápido”.
Em setembro, o Serum Institute planeja disponibilizar um estoque da vacina contra a Covid-19 para a Índia e muitos outros países de baixa e média renda. Hill afirma que o instituto está procurando um “modelo distribuído” de manufatura em todo o mundo para atingir os bilhões de doses necessárias. “Muitos fabricantes diferentes estão a todo vapor”, diz ele. Na Índia, é provável que o controle da distribuição da vacina envolva decisões políticas que ficam fora das mãos da família. Mas Poonawalla, como muitos outros ao redor do mundo, está exigindo que uma fórmula lógica seja aplicada nos primeiros dias, quando a oferta é limitada. Isso priorizaria as pessoas mais carentes em diferentes países, como profissionais de saúde, idosos e imunocomprometidos. Cientistas, empresas, reguladores e indivíduos como os Poonawallas estão se unindo em um esforço global sem precedentes para desenvolver vacinas. Os políticos também precisam demonstrar o mesmo espírito de cooperação.
Traduzido de The Economist
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