A hematologista franco-italiana Marina Cavazzana, pesquisadora premiada e pioneira da técnica, espera conseguir eliminar o vírus HIV modificando geneticamente as células-tronco de pacientes soropositivos. Os testes clínicos serão realizados no hospital público Saint-Louis, no 10° distrito de Paris.

Vencer as doenças hereditárias é o desafio da cientista Marina Cavazzana, hematologista do hospital Necker e especialista em terapia gênica no instituto francês Imagine – que financia, com fundos publicos e privados, pesquisas inovadoras.

A hematologista franco-italiana foi uma das pioneiras na utilização da técnica, testando-a pela primeira vez em 1999, em crianças portadoras de um déficit imunológico grave e irreversível. A experiência abriu as portas para novos tratamentos que permitiram a cura nos anos seguintes de diversos pacientes vítimas de patologias hereditárias graves. Desde então, a cientista estuda o uso de células-tronco geneticamente modificadas em laboratório para tratar essas doenças.

Agora, Marina Cavazzana se prepara para um novo desafio: combater o vírus HIV utilizando as terapias genéticas e talvez liberar os doentes dos tratamentos retrovirais, que representaram um grande avanço, mas ainda têm diversos efeitos colaterais.

O projeto foi lançado há dez anos e inspirado no caso de Timothy Brown, o chamado “paciente de Berlim”. Em 2007, vítima de uma leucemia, ele foi submetido a um transplante de medula óssea. Os especialistas escolheram um doador que possuía uma mutação genética que o tornava resistente ao HIV. O resultado é que Brown foi curado da síndrome, para a surpresa da comunidade científica mundial.

A ideia agora é utilizar os chamados “lentivírus”, microrganismos com longos períodos de incubação e pertencentes à mesma família do HIV, para transportar os genes terapêuticos que vão combater o vírus. Esse genes serão inoculados nas células-tronco da medula dos pacientes, retiradas previamente e corrigidas geneticamente em laboratório para inclusão dos antivírus. Em seguida, as células serão novamente injetadas nos doentes.

A expectativa é criar nos pacientes uma “resistência” ao vírus da Aids, que impediria sua replicação no organismo. O antivírus, explicou a cientista à RFI Brasil, contém um RNA (ácido ribonucleico, essencial no comando e coordenação dos processos biológicos) que vai diminuir ou anular completamente a transcrição do co-receptor da membrana do vírus HIV. “Ao mesmo tempo, ele vai fazer com que uma proteína atue impedindo a fusão do ‘envelope’ do vírus à membrana celular”, explica a pesquisadora. “Por enquanto, prefiro esperar pelos resultados, porque ainda não tratamos nenhum paciente e não sabemos se vai funcionar”, ressalta.

O protocolo dos testes clínicos, que demorou anos para ser finalizado, diz, ainda não tem data exata para começar, porque depende de pacientes que preencham os critérios de inclusão na pesquisa – serão tratados soropositivos que também têm um tipo específico de linfoma em um estágio ainda pouco agressivo. O linfoma é um câncer que surge como uma complicação do HIV.

Por essa razão, a experiência será realizada no hospital Saint-Louis, que possui um centro de referência na área, em parceria com o especialista do setor, o hematologista francês Eric Oksenhendler. Se o tratamento genético der certo, diz a pesquisadora, vai tornar a carga do vírus indetectável sem a necessidade de medicamentos. Ainda não é possível falar em cura, mas a doença poderia se tornar definitivamente inócua para o organismo, ja que a célula ficaria protegida do ataque do HIV. “Com o tempo, o vírus não conseguira mais se replicar”, diz.

A pesquisa marca um grande passo na carreira da cientista, que, pela primeira vez, vai utilizar a terapia gênica em uma doença infecciosa. Independentemente do resultado, os testes vão permitir o desenvolvimento de novas “armas terapêuticas” para livrar os pacientes dos vírus. “Mesmo se o protocolo não dê o resultado esperado, que é o de interromper definitivamente a triterapia, teremos sem dúvida informações muito importantes para melhorar os protocolos futuros”, avalia.

Publicado em RFI

Com imagem de RFI