Em 3 de julho de 2019, as organizações Médicos do Mundo e Olho Público, apresentaram no Escritório Europeu de Patentes um pedido de oposição contra a patente que cobre o Kymriah®, uma terapia genética para câncer da Novartis, vendido a € 320 mil por paciente (cerca de R$ 1,4 milhão) para a Segurança Social francesa. O objetivo era denunciar uma patente abusiva que fortalecia o monopólio que permitiria a imposição de um preço ainda mais exorbitante. No final de novembro de 2019, a Novartis anunciou que estava retirando esta patente e pediu a sua revogação.

A ação da Médicos do Mundo e Public Eye denunciou o aumento exponencial dos preços dos tratamentos que chegam aos mercados, entre eles as novas terapias genéticas para o câncer, que custam acima de € 300 mil euros por pessoa, pressionando o orçamento dos serviços nacionais de saúde e prejudicam o acesso à saúde pelos contribuintes.

Em 2014, os preços exorbitantes dos medicamentos para a hepatite C levaram o governo francês e suas contrapartes na Europa a tomar medidas de racionamento. Como as mesmas causas produzem os mesmos efeitos, é muito provável que as terapias celulares para o câncer também possam ser atingidas por medidas de racionamento.

Ao criar as condições para negociações com preços mais baixos, os Médicos do Mundo e a Public Eye também pretendem reduzir os preços de todas as futuras terapias desse tipo. A oposição de patentes é uma ferramenta forte e eficaz para conseguir isso, porque obriga os detentores de patentes a responder aos argumentos do opositor que solicita o cancelamento da patente.

NOTA DO GTPI: Ao expor a argumentação dos detentores de patente, é possível identificar fragilidades no cumprimento a leis e os aspectos que revelam que a patente é imerecida.

Confira as contestações de patente do GTPI no Brasil

Em uma carta de 29 de novembro de 2019, o escritório de advocacia que representa a Novartis e a Universidade da Pensilvânia, detentores da patente do Kymriah®, anunciou que o proprietário não aprovava mais o texto que serviu de base para a patente ser concedida e não apresentaria outra versão. A empresa informou que estava solicitando que a patente fosse revogada. Com a decisão, o procedimento foi interrompido e a patente não existe mais.

A decisão confirmou a natureza abusiva da patente, que nunca deveria ter sido concedida pelo Escritório Europeu de Patentes. “Esse caso demonstra o abuso dos monopólios, em particular com novas e caras terapias com biomedicamentos”, disse o chefe da missão de preço e sistemas de saúde da Médicos do Mundo, Olivier Maguet.

“Os Estados (países) concordam com preços altos baseados em direitos de propriedade intelectual injustificados que nunca são questionados. No entanto, eles são responsáveis por garantir que os critérios de patenteabilidade dos medicamentos sejam observados e nunca devem permitir patentes abusivas que custarão milhões aos sistemas de saúde”, reitera o ativista.

Luta não está vencida

A decisão da Novartis, curiosamente ainda não permite que uma versão biossimilar do tratamento seja produzida. No entanto, foi considerada uma decisão histórica por ressaltar a capacidade dos hospitais públicos de produzir versões semelhantes sem patente, a um custo mínimo, que reduziria o preço das terapias com patenteadas.

“Essa alternativa existe e é viável, porque outros países da Europa a utilizam. Também fortalece as instituições envolvidas na negociação de preços, exigindo preços mais baixos, argumentando com base em direitos de propriedade intelectual fracos e, portanto, em monopólios ilegítimos. Por fim, deve permitir que as organizações da sociedade civil em todo o mundo usem argumentos semelhantes para se opor a patentes abusivas semelhantes”, disse Maguet.

A decisão é a primeira de outras que ainda são necessárias. A Médicos do Mundo e a Public Eye seguem em 2020 na tomada de iniciativas semelhantes que poderão impactar para a redução de preços e na garantia de acesso justo a tratamentos.