Carta Capital, por André Barrocal
O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), especializou-se em se meter em disputas empresariais na Casa. Em Brasília, há quem diga que foi a gratidão de certo empresariado que permitiu ao peemedebista montar uma tropa de aliados e chegar à Presidência da Câmara. Pois não importa que esteja atolado em contas secretas na Suíça e denúncias de corrupção. Seumodus operandi continua a todo o vapor.
O deputado André Moura, líder do PSC, partido evangélico controlado por um ex-sócio de Cunha, emparedou a indústria farmacêutica ao relatar um projeto que altera a Lei de Patentes. Já o deputado Manoel Junior (PB), a quem Cunha tentou emplacar como sucessor na liderança do PMDB, acaba de premiar empresas e brasileiros que esconderam capitais no exterior.
Na terça-feira 20, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara realizou uma audiência pública para discutir várias propostas de mudar a Lei de Patentes. Os projetos tentam baratear os remédios com regras indesejadas pelas multinacionais farmacêuticas. A feição final das propostas na CCJ caberá a Moura.
A tramitação dos projetos e a atuação do relator despertaram grande estranhamento.
No dia 15 de julho, o presidente da CCJ, Arthur Lira (PP-AL), pediu a Cunha que a comissão pudesse examinar os projetos não só do ponto de vista da adequação à Constituição. Queria que o próprio mérito (mexer ou não na atual Lei de Patentes, de 1996?) pudesse ser analisado.
Dois dias depois, Cunha aprovou o pedido de Lira, um aliado do peemedebista. Mais: determinou que o projeto tivesse “prioridade”.
Com a decisão de Cunha, o futuro dos projetos não depende mais de outras comissões da Câmara. Basta a CCJ aprová-los e remetê-los ao Plenário. Ou seja, depende de Lira, denunciado em setembro ao Supremo Tribunal Federal (STF) por corrupção na Petrobras; de André Moura, réu no STF por apropriação indébita desde junho; e Cunha, de currículo conhecido.
A partir da canetada de Cunha, o pacote de projetos esteve na pauta das reuniões da CCJ, indicado como “prioridade” de votação, mas sem o relator Moura apresentar um parecer final ou comparecer às sessões. Seria um modo de chamar a atenção das bilionárias farmacêuticas para o assunto e forçá-las a negociar? É o que se pergunta nos bastidores da CCJ.
Na audiência pública do dia 20, Moura só apareceu quando o debate já havia começado havia quase uma hora. E deixou a sessão bem antes do fim. Uma atitude esquisita para alguém que deveria ouvir argumentos de todos os lados antes de fechar o relatório.
Sua aparição serviu apenas para ele pedir a palavra e deixar um recado aos laboratórios: “Meu relatório vai reequilibrar esse monopólio. Esse monopólio é muito perverso.”
Ao deixar a sessão, Moura disse a CartaCapital que apresentaria o parecer na semana que vem. “Eu não ia concluir nada antes da audiência pública.”
As benesses de Manoel Junior aos ocultadores de capital já ganharam vida. Nasceram nesta quinta-feira 22 com mudanças em um lei que o Ministério da Fazenda havia proposto para regularizar capitais escondidos no exterior.
Pelo projeto, os ocultadores teriam de declarar o dinheiro ao Fisco e entregar 35% do total, a título de imposto de renda e multa. Em troca, teriam anistia pelos crimes de sonegação, evasão de divisas, lavagem de dinheiro, falsificação de documento público e falsidade ideológica.
A relatoria do projeto em uma comissão especial coube a Junior. Ele cortou a multa para 30%, com a alegação de que a nova alíquota “se mostra mais apta a atrair pessoas interessadas em sair da situação de ilicitude”. Teria sido uma inspiração de Eduardo Cunha?
Em 2014, antes de chegar ao comando da Câmara, Cunha foi relator de uma medida provisória proposta pela Fazenda para tributar multinacionais brasileiras no exterior. Cunha cortou multas e ampliou prazos de pagamento. Como Junior, protegeu os interesses empresariais perante o Estado.
Aprovado na quinta-feira 22 na comissão especial, o relatório de Junior logo será votado em Plenário. Se os ocultadores de capital quiserem recompensar o relator da maneira que for, estão cobertos de motivos para fazê-lo. E dinheiro não faltará.
A Fazenda trabalha com um estimativa de 400 bilhões de dólares escondidos no exterior. Se todos os detentores destes capitais se apresentassem e pagassem 35%, a arrecadação seria de 140 bilhões de dólares. Pagando 30%, a receita seria de 120 bilhões de dólares. Uma economia de 20 bilhões de dólares para os ocultadores.
Aliás, se alguém quiser recompensar Cunha, ele também merece.
A taxação de 35% esteve a ponto de ser votada no Senado em agosto, graças a um acordo entre a Fazenda e o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), autor de um projeto semelhante. Mas aí o presidente da Câmara ameaçou. Ou o governo mandava um projeto próprio ao Congresso, ou nada feito. “Mandar um projeto” significaria que a palavra final seria da Câmara, não do Senado.
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