Como um país que concede poucas patentes farmacêuticas pode gastar tanto com medicamentos? A resposta é o desafio do estudo Inovação e Acesso a Medicamentos na Índia, Brasil e África do Sul, em andamento no Departamento de Política de Medicamentos e Assistência Farmacêutica (NAF) da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca – ENSP/ Fiocruz.

O estudo do projeto accessibsa analisa uma situação de paradoxo, já que ter um número baixo de patentes farmacêuticas no país, poderia levar à conclusão de que medicamentos podem ser comprados sob regime de concorrência e que os preços são baixos. Porém, muitos medicamentos no Brasil são comprados exclusivamente de um único produtor e geralmente a preços elevados. Logo, na ausência de patentes concedidas para produtos farmacêuticos, dados do Ministério da Saúde apontam como uma das respostas para a realização de compras sob regime de exclusividade.

A área de HIV/Aids e Hepatite C traz exemplos claros do chamado “paradoxo das patentes no Brasil”. Em 2015, dos 19 ARVs utilizados no país, 13 foram comprados exclusivamente de um produtor. Desses 13, dados preliminares mostram que apenas 2 possuem uma patente primária concedida no país; 7 têm apenas patentes secundárias concedidas e os outros 4 possuem apenas pedidos de patente pendentes, 2 dos quais são apenas pedidos de patentes secundárias. Dos 3 novos antivirais ativos diretos (DAAs) utilizados no tratamento da hepatite C, todos os 3 estão sendo comprados em exclusividade, apesar de não terem nenhuma patente concedida no país, mas muitos pedidos pendentes.

Entre os casos, o antirretroviral (ARV) tenofovir disoproxil fumarate (TDF) foi incorporado ao SUS em 2003. Foi comercializado, com exclusividade, pela empresa americana Gilead até 2010, quando uma versão genérica brasileira começou a ser fornecida ao governo. A primeira versão genérica do TDF estava disponível no mercado internacional em 2006. O primeiro pedido de patente relacionado ao TDF no Brasil foi apresentado pela Gilead em 1998 para o sal fumarato do pró-fármaco (PI9811045-4), um pedido de patente secundário que não cobria o composto base.

Em 2005 e 2006, o laboratório público Farmanguinhos/Fiocruz e organizações da sociedade civil ligadas ao Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual (GTPI) apresentaram oposições desafiando a patenteabilidade do TDF no Brasil. Em 2008/2009, o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) emitiu a sua primeira e, mais tarde, a sua decisão final (após recurso administrativo) rejeitando a patente. A primeira versão genérica do medicamento estava disponível no país em 2010, sendo produzida localmente por um laboratório público. Durante o tempo em que houve “incerteza jurídica” no status de patente do TDF no Brasil devido a pedidos de patentes pendentes (mesmo que se tratasse de uma “patente secundária”), a Gilead gozou de um monopólio de facto em compras públicas.

A Gilead também busca outras estratégias de evergreening em torno do tenofovir, tal como apresentar um novo pedido de patente para uma combinação de dose fixa (FDC) abrangendo o TDF + emtricitabina (truvada®). O pedido foi apresentado pela Gilead em 2004 e foi recentemente rejeitado pelo INPI em janeiro de 2017, após oposições de patente apresentadas pelo GTPI em 2010 e 2016 (PI0406760-6; WO/2004/064845). A Gilead entrou com um recurso administrativo em abril de 2017, que ainda está pendente de decisão.

Enquanto isso, o Ministério da Saúde brasileiro concluiu a primeira compra de 3,6 milhões de pílulas de truvada® com exclusividade da Gilead ao custo de USD 0,75 por comprimido, embora existam versões genéricas disponíveis no mercado internacional ao preço de USD 0,13. Se o Brasil tivesse tomado a decisão de comprar a versão genérica do medicamento (uma vez que não há nenhuma patente concedida no país), poderia ter economizado mais de USD 2,2 milhões apenas nessa compra.

Paradoxo nos gastos

Outra situação analisada é que nos últimos anos, houve um aumento significativo nos gastos públicos com medicamentos. Um estudo mostra que enquanto os gastos do Ministério da Saúde com medicamentos aumentaram 74% de 2008 para 2015 (de R$8,5 bilhões para R$14,8 bilhões), o orçamento federal de saúde só aumentou 36,6% no mesmo período. Embora, por um lado, o aumento dos gastos públicos com medicamentos possa refletir um aumento no número de indivíduos em tratamento, por outro lado, também pode significar um aumento nos gastos com medicamentos de alto custo, muitos dos quais estão em situações de monopólio devido ao sistema de patentes.

Veja o artigo na íntegra em ip-watch.org