A concessão de patente do Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) para a farmacêutica Gilead, dos Estados Unidos, não impede a produção nacional da versão genérica do sofosbuvir, esclareceu o ministro da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, Marcos Jorge de Lima, na manhã desta terça-feira (13), durante a sua participação em audiência pública na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, em Brasília.

O esclarecimento por parte do ministro aos parlamentares aconteceu após o sofosbuvir, medicamento que cura a hepatite C em 95% dos casos, alcançar o debate público com a manifestação contrária de presidenciáveis sobre a decisão do INPI, mesmo após a repercussão dos protestos da sociedade civil no Rio de Janeiro, em frente à sede do órgão, e em São Paulo, na frente da sede da farmacêutica, pela não concessão da patente.

A fala do ministro ressaltou que o INPI deferiu um pedido de patente sobre uma molécula utilizada no processo fabricação do medicamento, uma patente sobre etapa do processo que, em tese, não impediria a produção de medicamento genérico no Brasil desde que essa seja alcançada por outros meios. Lima chegou a citar um artigo publicado pelo pesquisador Jorge Bermudez, no site do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz, que confirma que o processo de fabricação do genérico nacional produzido em parceria com o consórcio BMK não infringe o intermediário da Gilead.

A prática de evergreening

O Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual (GTPI) mapeou 18 pedidos de patente para o sofobuvir, incluídos os divisionais. Alguns já foram rejeitados e dois, concedidos. A sobreposição de pedidos de patente é uma tática mundialmente conhecida e repetida em todos os países pelas grandes indústrias farmacêuticas. O evergreening envolve estratégias que incluem a criação de um ambiente de insegurança que desencoraja os investimentos na produção de versões genéricas pela empresas nacionais. A partir da concessão de um ou mais pedidos, mesmo que não cubram a molécula, a empresa pode acionar a justiça ou mesmo ameaçar Ministério da Saúde e produtores locais para dificultar a entrada do medicamento genérico no mercado.

“Isso só atrasa a cada dia a chegada da versão genérica do sofosbuvir pra população que está precisando de tratamento”, afirmou o coordenador do GTPI, Pedro Villardi, que acompanhou a audiência pública. Segundo ele, existe uma fila de dezenas de milhares de pacientes que não têm acesso por causa da demora do Ministério em comprar o medicamento. “A forma mais eficiente e definitiva de resolver essa questão seria a licença compulsória. Mas para isso é necessária defesa intransigente do interesse público, como ressaltou o juiz Spanholo na decisão que suspendeu a patente em setembro”. disse Villardi.

No dia 23 de setembro, o juiz da 21ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal, o Rolando Spanholo acatou uma ação apresentada pela Rede questionando a concessão da patente alegando que o INPI deveria zelar pela soberania nacional, observando o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do país.

Relação INPI e Anvisa em debate

A audiência foi requerida pelos senadores José Serra (PSDB-SP) e Ricardo Ferraço (PSDB-ES). O senador paulista apresentou um projeto de lei que amplia a prerrogativa da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para a análise das patentes. Serra defendeu que essa análise leve em conta aspectos econômicos e tecnológicos. Segundo o Senador de São Paulo, essa mudança daria conta de um aspecto importante da análise da patente, uma vez que o ministro do MDIC e o presidente do INPI defenderam que o INPI deve se ater à análise dos requisitos de patenteabilidade e que análises de natureza econômica têm de ser feitas pelos órgãos competentes.

Considerando que o projeto de Serra traria equilíbrio entre o direito de propriedade e a questão econômica do setor farmacêutico, o senador Armando Monteiro (PTB-PE) contestou se a análise econômica por parte da Anvisa seria adequada, indicando o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) sob o argumento da garantia da defesa de concorrência que, se trazida para o contexto do sofosbuvir, se consolidadria na defesa discreta dos interesses da indústria por parte do Estado. Serra argumentou que poderia ser criado um Conselho Administrativo de Defesa Econômica voltado para a Saúde, um “CADE-Saúde”.

O debate morno da reunião acabou estabelecendo como destaque algo que não foi debatido, mas que fundamentou a decisão liminar do Juiz Spanholo: a esquiva do INPI em cumprir suas tarefas constitucionais de zelo pela saúde pública e pelo interesse econômico do Brasil, diante dos preços exorbitantes praticados pela fabricante do Sofosbuvir perante o SUS. “Parece que o Ministro Jorge de Lima e o presidente Luiz Pimentel não quiseram enfrentar esse debate e a pergunta sobre como será a decisão do INPI a partir da decisão judicial, talvez o ponto mais importante desse tema, ficou sem resposta”, avaliou Villardi.

Imagem de Marcos Oliveira / Agência Senado