Por: GTPI
A quantidade de empresas que dominam a indústria farmacêutica está na casa das dezenas. O número de países que asseguram o direito à saúde na constituição chega às centenas.E são milhões aqueles que de fato precisam de medicamentos para viver.
Duas mil dessas pessoas saíram hoje às ruas da Índia para protestar contra um acordo negociado entre o governo indiano e a União Européia e que, segundo os manifestantes, pode significar que suas vidas estão sendo negociadas em benefício das empresas.
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As decisões que afetam o acesso a medicamentos envolvem sempre esses três atores. As empresas não querem ficar sem lucro, os pacientes não querem ficar sem remédio, e os governos não querem ficar sem investimentos e perspectivas de crescimento e nem sem apoio popular.
É inegável que as empresas tem um poder enorme de influenciar negociações desse tipo. Exemplo disso é a denúncia feita pelo Observatório da Europa Corporativa (CEO) contra a Comissão Européia. De acordo com membros da CEO, a Comissão Européia concedeu acesso privilegiado a informações sobre as negociações do Tratado entre Índia e União Européia para associações empresariais de grande porte. Ao mesmo tempo, outras partes interessadas que tentam acessar essas informações desde 2009 receberam negativas da Comissão Européia.
Por isso o grito dado hoje pelos indianos e ativista de várias partes do mundo é tão importante para equilibrar o jogo. “Nós não queremos voltar no tempo, para a época em que nossos amigos e entes queridos morriam porque não podiam comprar os medicamentos de que precisavam”, disse Rajiv Kafle, membro da Ásia Pacific Network of Positive People que atua no Nepal, em texto publicado pelo Citizen-News sobre a manifestação em Deli.
A grande preocupação é com a cláusula de ‘exclusividade de dados’, que está sendo imposta pelos negociadores europeus e funcionaria como uma patente, bloqueando versões genéricas no mercado. De acordo com texto escrito pelo presidente internacional da Organização Médicos Sem Fronteiras (MSF): “A Jordania adotou exclusividade de dados como parte de um acordo comercial com os EUA. Um estudo realizado pela Oxfam descobriu que dos 103 medicamentos registrados e lançados desde 2001 que não tinham qualquer proteção de patentes na Jordânia, pelo menos, 79% não tinha a concorrência de um equivalente genérico, como conseqüência da exclusividade dos dados. O estudo também constatou que os preços desses medicamentos no âmbito de exclusividade de dados foram de até 800% maior que no vizinho Egito.”
O povo nas ruas de Deli pede para que o governo resista à pressão e não aceite medidas que prejudiquem o acesso a medicamentos, colocando suas vidas em risco.
Esse tipo de situação nos faz pensar até onde vai o direito das empresas. Na própria Índia, a Novartis está numa batalha legal há cinco anos na qual desafia a própria lei de patentes indiana. Após três recusas de patente para o medicamento anti-câncer Glivec, a empresa apelou para a suprema corte indiana. A HAI e outras organizações não-governamentais enviaram uma carta para o presidente da Novartis esse mês pedindo que a empresa desista de suas “persistentes ações legais” na Índia.
No Brasil, a companhia Roche já entrou com um processo contra a Anvisa, quando teve um pedido de patente negado na análise da agência. A empresa não questionou apenas a decisão, mas a própria anuência prévia da Anvisa, um mecanismo determinado pela lei brasileira (que agora está à beira da morte).
Como lembraram alguns manifestantes na Índia, atualmente a Philip Moris está processando o Uruguai por sua decisão de introduzir alertas de saúde maiores em pacotes de cigarro.
Como se não bastasse fazer lobby para incluir clausulas que as beneficiam em tratados como o que está sendo negociado entre Índia e U.E, percebemos que as empresas constantemente desafiam leis e o comprometimento de governos com a defesa da saúde pública.
Caso a Índia resista nas negociações, a luta por um sistema mais justo de acesso a medicamentos certamente vai se fortalecer. Caso ceda, todo os países em desenvolvimento vão sentir o impacto, mas nem por isso os ativistas vão recuar. Como ressalta Loon Gangte, da Delhi Network of Positive People. “Tendo falhado até agora, as empresas fizeram lobby junto aos governos europeus para insistir em sua luta pelos lucros farmacêuticos. Mas nós estamos nessa luta de longo curso e vamos resistir a qualquer coisa que ameace nosso acesso a medicamentos seja de que modo for.”
Que voz vai soar mais alta? A dos milhões que precisam de medicamentos e gritam nas ruas para ter acesso a eles ou a dos representantes de grandes empresas que cochicham nas salas de negociação?