O Brasil está na contramão. Essa foi a principal constatação do Relatório 2016 do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (UNAIDS), divulgado na última quinta-feira (20). Enquanto o documento registrou queda de 11% no total de novas infecções por HIV/Aids no mundo, o Brasil registrou alta de 3%.

A marca coloca o Brasil em uma posição dramática mesmo entre os vizinhos latinoamericanos. Dos sete países da região que concentram 90% das novas infecções, 49% destes ocorrem no Brasil, enquanto em países como Colômbia, El Salvador, Nicarágua e Uruguai houve redução de 20%.

Atualmente o Brasil tem 830 mil pessoas vivendo com HIV/Aids, este número traz os 48 mil novos casos registrados em 2016, os 47 mil infectados em 2010 e 46 mil em 2005. O aumento gradativo em números absolutos não corresponde à interpretação do Ministério da Saúde, que considera haver uma “estabilização da epidemia com viés de queda”, ao considerar as taxas de detecção da infecção, como um resultado matemático da divisão do número de casos pelo número de habitantes.

Mesmo considerando haver a estabilização, os números foram criticados pelo coordenador de treinamento e capacitação da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (ABIA), Salvador Correa. “Isso não é motivo para comemorar, porque a epidemia precisa ser findada. Falar em estabilidade quer dizer que a epidemia continua existindo”, afirmou.

Conservadorismo e negligência

A Licença Obrigatória adotada por Brasil e Equador, um dispositivo legal que permite a produção de medicamentos genéricos por outros laboratórios além do detentor da patente, foi reconhecida pelo relatório UNAIDS como importante. Embora o relatório não mencione, a medida foi utilizada no Brasil somente uma vez, há dez anos atrás.

Desde então, uma abordagem que foca em parcerias com empresas transnacionais detentoras de patentes tem sido colocada em prática, gerando sérias dúvidas sobre o compromisso do governo brasileiro com a redução do preço do tratamento antirretroviral.
Além disso, o Brasil ainda apresenta problemas estruturais graves. Um terço dos soropositivos ainda são diagnosticados em estado avançado da doença, o que compromete a eficácia dos tratamentos existentes e torna fundamental popularizar as formas de testagem, como autotestes e teste rápido de farmácia.

A exemplo de outros países, os homens que fazem sexo outros homens e jovens representam a faixa da população mais atingida por novas infecções, o que exige a intensificação de estratégias como a massificação da Profilaxia de Pré-Exposição (PrEP), que esbarra no problema de altos preços; e a criação de campanhas de conscientização, que esbarra no atual avanço do conservadorismo na sociedade e na política.

O Ministério da Saúde estima que 112 mil brasileiros não saibam que têm a sorologia positiva, outros 260 mil sabem, mas não estão em tratamento.

Risco ao avanço mundial

Ainda na quinta-feira, a Organização Mundial de Saúde (OMS) lançou um alerta sobre casos de aumento da resistência do vírus aos medicamentos que podem comprometer e até reverter os avanços pelo fim da epidemia, estipulada como meta pela UNAIDS para 2030.
Segundo a OMS, em seis de 11 países analisados na África, Ásia e América Latina, mais de uma a cada dez pessoas que iniciaram o tratamento antirretroviral apresentaram uma cepa do vírus causador da Aids que não respondeu a algumas das drogas mais utilizadas.

Segundo a organização, os vírus podem se tornar resistentes às drogas quando os pacientes tomam doses incorretas da medicação prescrita. Cepas resistentes também podem ser contraídas diretamente de outras pessoas.

No Brasil, em especial, surge grande preocupação quanto a eficácia do tratamento em pacientes afetados pelos recentes desabastecimento de antirretrovirais nos serviços de saúde em diversas regiões do país. As ONGs/Aids têm chamado atenção para o risco que a falta ou racionamento de medicamentos oferecem à adesão ao tratamento, com possível desenvolvimento de resistência do HIV.

“A resistência aos medicamentos antimicrobianos é um desafio crescente para a saúde global e o desenvolvimento sustentável”, disse o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus. “Precisamos abordar de forma proativa os níveis crescentes de resistência aos medicamentos contra o HIV, caso quisermos atingir o objetivo global de erradicar a aids até 2030.”

Hoje 36,7 milhões de mulheres e homens em todo o planeta vivem com HIV. Desde a sua descoberta, em 1981, provocou a morte de 36 milhões de pessoas.

Com informações de Época Negócios, Revista Galileu e Deuche Welle