Dois anos após o encontro de Ministros da Saúde do G7, em setembro de 2016, em Kobe, no Japão, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) lançou no final de novembro, o relatório sobre Inovação Farmacêutica e Acesso a Medicamentos. O documento é fruto de uma investigação realizada durante todo o período.

O relatório era muito esperado.

Para a consultora sênior de advocacia da Stopaids, Saoirse Fitzpatrick, o documento teve muitas das colaborações da sociedade civil diluídas ou simplesmente suprimidas do relatório final por ação de lobby empresarial.

A Stopaids é uma rede de 70 organizações que monitora o desenvolvimento internacional no campo do HIV/Aids desde 1986.

Fitzpatrick fez uma análise e chegou a algumas conclusões sobre o relatório apontando pontos construtivos e outros preocupantes.

Leia o resultado da análise abaixo:

Visão Global

O objetivo do relatório foi revisar o papel dos medicamentos nos sistemas de saúde, descrever as tendências e desafios recentes nas despesas e financiamentos farmacêuticos, resumir as abordagens usadas pelos países da OCDE para determinar a cobertura e os preços, e estabelecer recomendações sobre como lidar com esses desafios.

Em termos gerais, o relatório resume corretamente as tendências recentes dentro do setor. Mostrou que a produtividade da despesa em Pesquisa e Desenvolvimento (P & D) caiu; que a duração da exclusividade de mercado se manteve relativamente estável; que novos medicamentos estão sendo desenvolvidos cada vez mais para pequenas populações de pacientes; e que a indústria como um todo permaneceu altamente lucrativa para os investidores.

Pontos Negativos

Apesar dos acertos, o documento possui muitas fragilidades. O relatório acerta no diagnóstico mas erra ao não apontar sua principal causa, que é a agenda impulsionada pelo mercado. Logo, o resultado são sugestões mal fundamentadas sobre como os desafios impostos por essas tendências poderiam ser abordados:

O documento defende a prática de preços diferenciados como meio de garantir que pacientes em países de diferentes níveis de desenvolvimento possam acessar tratamentos inovadores. A suposição é de que os países mais ricos pagam preços mais altos do que os países mais pobres, e que por isso as empresas podem obter lucros suficientes para realizar novos investimentos em P & D.

Porém, esta análise incorre em uma distorção, pois o critério utilizado para determinar um país como rico é o seu Produto Interno Bruto (PIB), índice que esconde a desigualdade e o fato de que a maioria das pessoas mais pobres do mundo vive em países de renda média. Também não leva em consideração o volume de mercado ou o poder de negociação do governo. Por exemplo: países menos prósperos da Europa Oriental estão pagando mais caro por medicamentos do que alguns países da Europa Ocidental mais ricos.

O relatório sugere a facilitação de abordagens de preços baseadas em “benefícios adicionais à saúde” enquanto valor, pedindo mais transparência em relação às compras governamentais no que diz respeito ao que os pagadores públicos podem estar dispostos a pagar por. Uma forma de definir preços de medicamentos em termos de ganhos de saúde para o paciente e a sociedade em geral – se a doença não for tratada ou tratada com a segunda melhor terapia disponível.

Este critério pode parecer lógico, mas tem sido profundamente criticado pela OMS – e em nosso mais recente relatório de prescrições – porque cria barreiras de preço para os pacientes e obscurece o principal motor de preços altos, como os monopólios de mercado, e cria uma suposição de que o valor de um medicamento deve voltar para a empresa detentora da patente quando, na verdade, o público está pagando uma enorme contribuição para a P & D farmacêutica.

Algumas recomendações difusas

– O documento menciona a necessidade de promover a concorrência sem patentes e com patentes, mas no que diz respeito à segunda, não exige acordos de licenças voluntárias como a solução para lidar com práticas monopolistas (que seria a escolha óbvia da nossa perspectiva).

– O relatório encoraja as parcerias regionais a alcançar uma melhor relação qualidade/preço com o objetivo de construir um poder coletivo para aumentar o acesso a medicamentos a preços justos aumentando o poder de barganha. A exemplo do acordo BeNeLuxA, que une Bélgica, Holanda, Luxemburgo, Áustria e Irlanda. A união de compradores, aumenta a concorrência entre os vendedores e melhora as informações disponíveis aos compradores, mas tais agrupamentos precisam ter níveis de renda semelhantes para proteger os preços escalonados – novamente defendendo uma abordagem que não esteja realmente respondendo à capacidade de pagar e ocultando muitas variáveis importantes.

– É mencionada a necessidade de anexar condições ao financiamento público, mas com o destaque de que as condições em torno de licenciamento voluntário ou aquisição de patentes só devem ser anexadas onde o setor público fez uma contribuição “substancial”, por exemplo, nas parcerias de desenvolvimento de produtos financiadas pelo governo. Esta afirmação evita a realidade de que o financiamento público está envolvido em todas as fases do desenvolvimento de medicamentos – não é apenas em situações onde há um PDP – mas devido à falta de transparência, é difícil determinar quanto e em que ponto o dinheiro público estava envolvido.

– O relatório cita a necessidade de encontrar mecanismos alternativos de incentivo à pesquisa em áreas negligenciadas, como da resistência antimicrobiana (AMR), mas não esclarece se essas recompensas de entrada no mercado serão usadas juntamente com incentivos de propriedade intelectual (PI) ou se as substituirão. Juntas haverá problema de preços altos.

– É afirmada a necessidade de mais transparência entre preço de tabela e preço de transação, contudo, há um problema em conciliar a transparência dos preços de transação com preços diferenciados, uma vez que os países de renda mais alta vão desejar um nivelamento com os países de renda média.

Pontos positivos / Recomendações:

– Embora deva haver mais ênfase em criar competição em produtos patenteados, o relatório tem algumas boas sugestões para encorajar a concorrência de genéricos onde pode faltar, incluindo: encorajar a entrada antecipada de novos fornecedores na perda de exclusividade (LoE) de medicamentos originais. Agilizando a aprovação de marketing, incentivando a prescrição do médico pelo nome internacional não patenteado (INN), fortalecendo o papel dos farmacêuticos e incentivando e educando os pacientes sobre a importância dos medicamentos genéricos.

– Existe uma análise razoavelmente boa da questão sobre incentivos a medicamentos órfãos e como as várias isenções fiscais, as reduções nas taxas regulatórias que estendem a vida das patentes não estão levando aos resultados corretos para doenças órfãs. É fato que há novos medicamentos chegando via pipeline, mas que geralmente têm preços elevados e, se a designação de medicamento órfão é dada a uma droga que tem outras indicações, o efeito do preço alto é sentido por um grupo mais amplo de pessoas. As tendências atuais sugerem que esses custos aumentarão, sem necessariamente estimular o desenvolvimento dos tipos de medicamentos para os quais essas vantagens foram originalmente destinadas. O relatório não é tão acessível quanto as alternativas, mas menciona que “pode ser útil avaliar se as políticas de medicamentos órfãos existentes estão fornecendo os incentivos e resultados corretos e avaliar opções alternativas”.

Transparência

– O relatório afirma que dados contraditórios dificultam a discussão de políticas e dificultam discernimento sobre a eficácia do setor. Para remediar isso, o relatório menciona que a publicação de informações relevantes sobre riscos, custos e retornos de P & D, e diz que a OCDE poderia mobilizar sua ampla experiência (incluindo saúde, inovação, tecnologia e finanças) e suas relações com governos e indústria para desenvolver consenso sobre indicadores relevantes e coleta de dados.

Conclusão

– O relatório sofreu muita interferência do lobby da indústria, que suprimiu das análises as recomendações e colaborações dos defensores do acesso a medicamentos.

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