Matéria publicada no site da OSF (em inglês), dia 7 de dezembro de 2015, por Azzi Momenghalibaf.

Um novo olhar por trás do preço da pílula de 1000 dólares

 

Quando a farmacêutica Gilead Sciences lançou o novo medicamento Sovaldi para tratar hepatite C ao custo de US$ 1.000 por pílula em 2013, e, em seguida, cobrou ainda mais na subsequente combinação de drogas Harvoni, provocou indignação pública e obrigou um racionamento sem precedentes deste medicamento que salva vidas. Os custos e a  necessidade generalizada deste medicamento vêm sobrecarregando pacientes, seguradoras e os cofres públicos. Mas por que esses preços são tão altos?

Na semana passada, o Comitê de Finanças do Senado dos EUA concluiu uma investigação de 18 meses que resultou numa resposta bem feia a esta pergunta. Os senadores líderes Ron Wyden e Chuck Grassley, republicano e democrata, respectivamente, descobriram que a Gilead tem “perseguido um esquema de calculos para preços e comercialização dos seus fármacos para a hepatite C com base em um objetivo: maximizar as receitas, independentemente das consequências humanas”.

Gilead sabia que o preço seria negar o acesso à sua cura para a vasta maioria dos três milhões de americanos que vivem com hepatite C. E não se importou. “Vamos manter a nossa posição … não importa as manchetes”, escreveu o vice-presidente executivo de operações comerciais da Gilead em um email interno divulgado pela investigação do Senado.

A investigação também desmascarou um dos mitos mais comuns sobre os quais se baseia a indústria farmacêutica: a de que os preços elevados são necessários para estimular a inovação e recuperar o investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D). Constatou-se que os custos de P&D não influenciaram em nada os preços da Gilead – assim como o investimento de 11 bilhões de dólares para adquirir Pharmasett, a empresa que desenvolveu o ingrediente ativo por trás dos medicamentos da hepatite C, também não o fez. Em vez disso, a empresa definiu o preço com base no que eles achavam que poderiam se safar, equilibrando o repúdio público com a a maximização do lucro.

O público ficaria ainda mais revoltado se percebesse que as empresas farmacêuticas não foram os investidores primários na P&D de risco que impulsiona a inovação. (As empresas gastam muito, mas muito mais do que em marketing). A metade do custo de P&D biomédica é de fato paga pelo investimento público. Contribuintes norte-americanos em particular, são o maior contribuinte para a P&D biomédica, investindo 30bilhões de dólares anualmente no National Institutes of Health (NIH). Grande parte da P&D por trás do Sovaldi foi financiada pelo NIH e outras instituições públicas.

O que é mais preocupante, entretanto, é que a falta de limites para a busca de lucros das farmacêuticas resulta no fato de que os Estados Unidos pagam os preços mais elevados para os medicamentos do que qualquer outro país do mundo. Um tratamento de 12 semanas de Sovaldi, por exemplo, ao preço de US$84.000 nos Estados Unidos, está disponível por menos de US$ 900 na Índia e no Egito, e entre US$46.000 e US$53.000 na França, Alemanha e Reino Unido. E embora os contribuintes norte-americanos tenham custeado os gastos para desenvolver esses tipos de novos medicamentos, empresas como Gilead fazem os pacientes pagarem novamente, e muito, a fim de terem acesso a esses medicamentos.

Para adicionar insulto à esta injúria, as empresas farmacêuticas rotineiramente não assumem as suas responsabilidades públicas e sonegam o pagamento de sua justa parcela de impostos nos Estados Unidos. A recente fusão da Pfizer-Allergan é um exemplo claro. Quanto à Gilead, depois de lucrar mais de US$12 bilhões em 2014 – mais de 70% deste valor através das vendas nos Estados Unidos- também sonega seus impostos bilionários mediante a apresentação de seus lucros no exterior.

Para aqueles de nós que trabalhamos para melhorar a política de preços farmacêutica e tornar os medicamentos acessíveis a todos, as conclusões da Comissão de Finanças do Senado sobre a hepatite C não são nenhuma surpresa. Temos visto o mesmo tipo de manipulação de preços de medicamentos acarretarem pacientes com câncer, esclerose múltipla e outras doenças. Através de uma força de lobby de lideranças em Washington marcada por alguns constrangimentos, a indústria farmacêutica tem a fixação de preços arbitrária e a extrema especulação como a regra, não a exceção.

Como senadores Grassley e Wyden destacaram na terça-feira na investigação que fizeram, o caso do Sovaldi é emblemático de um problema muito maior. Na construção até a eleição presidencial do próximo ano EUA, os eleitores podem começar a ter uma palavra a dizer. Os candidatos Hillary Clinton e Bernie Sanders responderam a um eleitorado preocupado com começar a apresentar propostas para a reforma. O público tem agora uma oportunidade para exigir abordagens para controlar o monopólio de decisão da indústria farmacêutica sobre quem recebe medicamentos e a que preço.

“Não vamos dobrar à pressão política popular em 2014,” um executivo de Gileade insistiu depois da liberação do Sovaldi. Talvez 2016 venha a forçar a empresa a uma resolução diferente: uma que reconheça melhor as necessidades dos pacientes.

Afinal, quando se trata de desenvolvimento de novos medicamentos, os contribuintes já pagaram.

O estudo do senado americano na íntegra pode ser acesso clicando aqui.