Por: GTPI
18/12/2013 – O recém anunciado acordo de licenciamento da patente do medicamento anti-aids atazanavir, assinado entre a empresa norte-americana Bristol Myers Squibb (BMS) e o Medicines Patent Pool (MPP), é um alerta para o Brasil. Em novembro de 2011, foi assinado entre a BMS e o laboratório público brasileiro Farmanguinhos um acordo com o mesmo propósito (licenciamento da patente), mas com cláusulas muito distintas. Além de ser marcado por cláusulas desfavoráveis ao acesso ao medicamento, o acordo assinado no Brasil está em grave atraso. A assinatura do acordo internacional entre BMS e MPP pode servir de oportunidade para que haja uma discussão transparente sobre os rumos do acordo firmado no Brasil e sua revisão.
“Um sinal vermelho deveria ser aceso agora no Ministério da Saúde, de modo que a corrida para alcançar quantidades cada vez maiores de PDPs (Parcerias de Desenvolvimento Produtivo) não atropele a qualidade da negociação desses contratos”, afirma Marcela Vieira, coordenadora do Grupo de Trabalho de Propriedade Intelectual (GTPI/ Rebrip). Ao analisar o contrato firmado no Brasil para o atazanavir, o GTPI identificou falhas na negociação e implementação do acordo e aponta prejuízos para o SUS. “Da forma que está caminhando, o contrato está gerando congelamento dos preços e obrigação de comprar o produto da BMS mesmo após o fim de seu monopólio. Isso está na contramão da sustentabilidade da política de acesso universal aos medicamentos de Aids”, diz Marcela.
O contrato entre BMS e Farmanguinhos prevê aquisição do medicamento, transferência de tecnologia e licenciamento da patente. Em resumo, o Brasil concordou em comprar o medicamento da BMS por prazos e preços pré-determinados enquanto vai internalizando a tecnologia e aprendendo a produzir por conta própria. Quando iniciada a produção nacional, o Brasil pagará royalties e continuará suprindo metade da demanda nacional com o produto importado da BMS.
Em relação à aquisição do medicamento, os preços estão congelados em R$ 3,40 por unidade (versão de 200mg) desde a assinatura do contrato, em 2011. Ou seja, ainda não foram observadas as reduções de preços prometidas quando o contrato foi anunciado. A versão genérica mais barata disponível no mercado internacional custa U$ 0,48, um preço cerca de 4 vezes menor que o atualmente pago no Brasil. Além disso, o que define a duração da obrigação de compra do produto da BMS é a data na qual Farmanguinhos obterá o registro da versão genérica que será produzida no Brasil. De acordo com o cronograma do contrato, esse registro deveria ter ficado pronto em 2012, mas até hoje isso não aconteceu. Esse atraso pode significar que o Brasil terá obrigação de comprar o produto da BMS até 2018, sendo que a patente no Brasil vence em 2017.
Em relação à tecnologia, o contrato assinado no Brasil pode não estar alinhado com as tendências globais de tratamento. O medicamento atazanavir precisa ser tomado junto com outro, que potencializa seu efeito, o ritonavir. A combinação em dose fixa de atazanavir com ritonavir facilita a adesão ao tratamento. No entanto, o contrato assinado no Brasil proíbe expressamente a fabricação dessa combinação em dose fixa. Já, no contrato entre BMS e MPP, que é destinado a qualquer produtor, de qualquer país, tal proibição não existe. “Essa comparação pode ser encarada como um indício de que o Brasil negociou mal seu acordo e não fez prevalecer a necessidade do paciente”, afirma Jorge Beloqui, do Grupo de Incentivo à Vida (GIV). Alem disso, no contrato do MPP, a transferência de tecnologia não tem custo adicional, enquanto que no Brasil o alto preço do medicamento é justificado pelo custo da transferência de tecnologia.
“Embutir o custo da transferência de tecnologia no preço pago para adquirir o produto é uma estratégia questionável, pois se perde de vista o quanto está sendo de fato pago pela transferência, além de se colocar os recursos da saúde à serviço da agenda do desenvolvimento”, comenta Beloqui. Essa escolha se dá em um contexto de subfinanciamento do SUS e onde a redução de preços de medicamentos é cada vez mais necessária para viabilizar novas metas de tratamento, como a de se colocar mais 100 mil pessoas em tratamento para HIV/AIDS em 2014, conforme recém anunciado pelo Ministério. “A população brasileira está mais atenta sobre como os recursos públicos são utilizados, mas o governo não está atento a sua obrigação com a transparência”, diz Beloqui.
O contrato para produção de atazanavir no Brasil é uma das 88 PDPs (Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo) anunciadas pelo Ministério da Saúde. De acordo com o marco regulatório das PDPs (PORTARIA Nº 837, DE 18 DE ABRIL DE 2012): “Cada PDP será avaliada ao final do primeiro período de 12 (doze) meses, para fins de verificação dos avanços esperados no processo produtivo e/ou transferência de tecnologia”. A PDP do atazanavir acaba de completar dois anos, por isso, o GTPI solicitou por meio da lei de acesso à informação estes relatórios de acompanhamento, onde poderiam estar comprovados os atrasos. A resposta do Ministério da Saúde é de que este e qualquer outro documento relacionado às PDPs é sigiloso e sua liberação seria uma ameaça à segurança nacional.
A portaria 837 também determina que as PDPs poderão ser extintas caso “for descumprido o cronograma estabelecido na PDP” (Artigo 11), como parece ser o caso do contrato para a produção de atazanavir. “Um amplo volume de recursos públicos está envolvido nesta PDP, mais assustador que as possíveis deficiências do contrato é a maneira como o governo tem rejeitado qualquer possibilidade de diálogo, existem princípios do SUS e obrigações dos laboratórios públicos que não podem ser ignorados”, conclui Marcela.
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