Por: O Estado de São Paulo / Agência Brasil
O Estado de São Paulo – 14/08/2011
Na última década, o Brasil assistiu a um enorme crescimento no número de medicamentos em teste. Informações do principal banco de dados mundial indicam, em 2010, um aumento de 20 vezes na quantidade de novos estudos em comparação com 2000. O mercado já movimenta R$ 1,4 bilhão por ano. Cerca de 80% das pesquisas são patrocinadas por multinacionais.
"O número de ensaios clínicos tem aumentado. Mas outros países correm a 60 km/h. Nós estamos a 10 km/h", afirma Gustavo Kesselring, diretor executivo do ViS, instituto de pesquisa responsável pela estimativa do mercado brasileiro de ensaios clínicos. "Atualmente, o setor já movimenta um volume de recursos equivalente a 9% do déficit da balança comercial em farmacoquímicos. Imagine sem os entraves burocráticos."
Cerca de 63% dos testes correspondem à fase 3 do desenvolvimento de novos medicamentos – etapa em que o produto começa a ser testado em um grupo maior de pessoas, muitas vezes em diversos países.
Na prática, o porcentual comprova o baixo grau de inovação da indústria nacional: as fases 1 e 2 – que avaliam segurança e eficácia preliminar – costumam ocorrer no lugar onde os fármacos foram criados. No Brasil, elas representam só 26% dos estudos.
Em 2000, o ClinicalTrials.gov – base de dados do governo americano para testes clínicos – registrou 16 novos estudos no Brasil. Desde então, o número de novas pesquisas cresceu 20 vezes: no ano passado, foram 315.
Discórdia. Todo ensaio clínico no País demanda uma dupla aprovação: ética – realizada pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) e pelos comitês locais (CEPs) – e sanitária, sob responsabilidade da Agêncoia Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
A Conep, uma comissão subordinada ao Conselho Nacional de Saúde (CNS), é o principal alvo das críticas das empresas, especialmente das multinacionais. A Resolução 196/1996 do CNS ocupa o centro da discórdia.
Ao estabelecer as atribuições da Conep, a resolução prevê que ela deve "aprovar e acompanhar os protocolos de pesquisas coordenadas do exterior ou com participação estrangeira". Protocolos de estudos nacionais – exceto em algumas áreas especiais como reprodução humana ou populações indígenas – só dependem da aprovação do CEP local.
"O procedimento deve ser o mesmo para instituições estrangeiras ou nacionais", defende Vitor Harada, diretor-presidente da Abracro, associação que reúne as maiores Organizações Representativas de Pesquisas Clínicas (CROs, na sigla em inglês), empresas contratadas pelas farmacêuticas para gerenciar os testes clínicos. "Os critérios éticos são os mesmos. Os CEPs deveriam julgar os protocolos patrocinados por estrangeiros."
Outros empresários ouvidos pelo Estado sugerem que a Conep não utiliza só critérios técnicos para julgar os ensaios, mas ideológicos. Daí o suposto preconceito com multinacionais.
A coordenadora da Conep, Gyselle Tannous, discorda e apresenta um argumento pragmático para centralizar a aprovação das pesquisas estrangeiras: "Os CEPs são mais vulneráveis à pressão das grandes indústrias."
Ela recorda que vários CEPs já foram descredenciados por problemas éticos. No ano passado, até agosto, foram desligados 24 comitês locais. No mesmo período, apenas 20 foram credenciados.
Gyselle afirma que há o desejo de, gradualmente, transferir atribuições da Conep para os CEPs. Dessa forma, a comissão fiscalizaria os comitês locais e só interferiria em situações especiais.
"Mas ainda não dá para fazer isso", afirma. Ela defende a capacitação e a acreditação de todos os CEPs para diminuir possíveis conflitos de interesse. "Com certeza, a última atribuição a ser transferida (para os CEPs) será a análise dos estudos patrocinados por estrangeiros."
Consenso. Mas todos concordam que é preciso diminuir o tempo de análise dos protocolos para a pesquisa clínica. "Não faz sentido demorar mais que 90 dias", afirma Gyselle. Atualmente, pode ultrapassar um ano.
Ela admite que a rotatividade dos 13 técnicos que auxiliam a emissão de pareceres, contratados de forma temporária, atrapalha o ritmo de trabalho. Na prática, não cabe a eles autorizar os estudos, mas aos membros da comissão, que são eleitos no CNS e não recebem salário para analisar os protocolos. Mesmo assim, o entra e sai dos técnicos atrapalha. "Levam quatro ou cinco meses para aprender o ofício e, pouco depois, passam em um concurso e deixam a Conep." Ela defende a criação de uma carreira no setor público para a função.
A coordenadora de pesquisas, ensaios clínicos e medicamentos novos da Anvisa, Patrícia Andreotti, conta com apenas sete técnicos para aprovar e acompanhar todos os protocolos que chegam à agência – calhamaços com centenas de páginas. Em média, a Anvisa analisa 300 estudos por ano. "É impossível cumprir os prazos", afirma Patrícia. "Precisamos de 50 técnicos. É um pleito antigo da agência."
Cientistas querem publicação de todos os dados obtidos
Em janeiro, o British Medical Journal publicou artigo sugerindo a divulgação obrigatória de todos os dados brutos relacionados a pesquisas clínicas. O objetivo é permitir o escrutínio público e independente dos resultados. "Devemos considerar qualquer estudo clínico financiado pela indústria e publicado em revistas científicas como propaganda, até que se prove o contrário", diz o texto.
O diretor do Centro Cochrane do Brasil, Álvaro Nagib Attalah, propõe que estudos clínicos não sejam coordenados por empresas. "Uma agência do governo poderia receber o dinheiro da indústria e contratar uma instituição isenta para realizar a pesquisa clínica: todos os dados seriam públicos", explica. "Em troca, se o fármaco fosse aprovado, a empresa ganharia mais alguns anos de patente." Para o presidente da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), Antonio Britto, a proposta geraria burocracia e prejudicaria a criação de novos fármacos.
Segundo Anvisa, 80% dos estudos clínicos são feitos por multinacionais
Agência Brasil – 14/08/2011
Apesar do crescimento econômico, o Brasil continua dependendo de empresas multinacionais para desenvolver pesquisas para o desenvolvimento de novos medicamentos. Levantamento da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) mostra que 80% dos estudos clínicos no país são feitos por empresas e laboratórios multinacionais. Essas pesquisas servem para testar, em quatro etapas, novos princípios ativos em seres humanos e estão diretamente relacionadas à capacidade de um país desenvolver medicamentos inovadores.
O perfil elaborado pela agência reguladora, divulgado na última semana, mostra ainda que 63% das pesquisas clínicas estão na fase 3, quando o remédio já está quase pronto e inclui testes em diversos grupos de pacientes para verificar segurança, eficácia e benefício a longo prazo. Somente 4% dos estudos estão na fase 1, etapa em que a nova droga é testada pela primeira vez em um ser humano e está intimamente ligada à inovação.
Para o diretor-presidente da Anvisa, Dirceu Barbano, o Brasil dispõe de estrutura e mão de obra capacitada para ter mais pesquisas e criar remédios. Segundo ele, o bom momento da economia e medidas adotadas pelo governo, como o Plano Brasil Maior – nova política industrial -, podem contribuir para que os laboratórios e centros de pesquisas nacionais ganhem condições de competir com os estrangeiros.
Um bom nicho para investimento no país, de acordo com Barbano, é a produção de genéricos. “Precisamos aproveitar a nossa experiência para que as empresas façam sua própria inovação”, disse.
Segundo o presidente executivo da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), Antônio Britto, um dos motivos para a dependência estrangeira é o alto custo das pesquisas clínicas, que varia de US$ 800 milhões a US$ 1 bilhão. Esses estudos podem durar quase uma década.
Apesar de o país dispor de centros de excelência e pesquisadores reconhecidos internacionalmente, Britto acredita que as leis que regem as pesquisas clínicas no país dificultam a realização de maior número de estudos. De acordo com a Interfarma, o Brasil demora, em média, três vezes mais que outros países para decidir sobre uma pesquisa clínica. Nos Estados Unidos, na França e no Canadá, o prazo é de três a quatro meses. Na Argentina, fica em seis meses e no Brasil, de dez a 14 meses, conforme dados de 2008.
“A capacidade física instalada é muito maior do que o Brasil está fazendo. O mundo não pode esperar o Brasil decidir”, disse Britto, que representa 43 laboratórios farmacêuticos nacionais e internacionais. De acordo com a Interfarma, o país responde por cerca de 1,2% das pesquisas clínicas mundiais.
De 2003 a 2010, a Anvisa aprovou 1.826 estudos clínicos, mais de 75% do total de propostas avaliadas. Além da agência reguladora, as empresas necessitam da aprovação da comissão nacional de ética em pesquisa para executar os estudos clínicos.