O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou um plano ousado para acabar com o flagelo da HIV até 2030. Uma promessa que parece no ar diante de dois anos de políticas e propostas que vão na direção oposta e podem minar o progresso contra o vírus que causa a Aids.

Em novembro, o governo Trump propôs uma mudança de regra que tornaria mais difícil para os beneficiários do Medicare obter os remédios que tratam a infecção pelo HIV impedindo que o vírus se espalhe.

O Medicare é o sistema de seguros de saúde gerido pelo governo dos Estados Unidos destinado às pessoas a partir dos 65 anos.

Trump tem repetidamente incidido no Congresso para revogar a expansão do Medicaid a partir do Affordable Care Act, assinado no governo Obama. Apesar de o Medicaid ser a maior fonte de cobertura para pessoas com HIV, Trump promove a venda de planos de saúde de curto prazo que contornam o Affordable Care Act, embora tais planos geralmente excluam pessoas com HIV.

Discurso não condiz com a prática

Para acabar com a propagação do vírus, as autoridades federais de saúde dizem que é preciso combater o estigma associado aos homens gays e às pessoas transexuais que estão em alto risco, para que eles busquem testes e tratamento. Mas por dois anos o governo tentou reverter as proteções legais para as pessoas desses grupos.

Esses movimentos opostos pela administração têm deixado os ativistas da AIDS confusos.

“O anúncio do presidente é uma surpresa, ainda que bem-vinda. Isso representa uma reviravolta na política do HIV”, disse a diretora de direito e política do Lambda Legal, Jennifer Pizer, um grupo que atua pelos direitos dos homossexuais.

O governo descreve o plano para acabar com a disseminação da HIV como uma das mais importantes iniciativas de saúde pública da história.

Mas o que de fato acontece mostra uma lacuna bastante grande entre as palavras e as ações do governo.

Proposta de Trump limita o Medicare

O governo tem uma proposta em tramitação que limita a cobertura de medicamentos do Medicare. Desde que o benefício dos medicamentos ambulatoriais do programa começou em 2006, o governo exige planos de cobertura para medicamentos controlados para “todos ou substancialmente todos os medicamentos” em seis classes terapêuticas, incluindo medicamentos antirretrovirais para o tratamento de infecções por HIV.

Mas novembro do ano passado, o governo Trump propôs uma nova política para reduzir os custos do Medicare, reduzindo o número de medicamentos que devem ser disponibilizados para as pessoas com HIV.

A proposta permitiria algumas exceções para a exigência de planos de medicamentos do Medicare para cobrir todos os medicamentos nas seis “classes protegidas”.

As seguradoras podem exigir que os beneficiários do Medicare obtenham uma “aprovação prévia” ou autorização “principal” para medicamentos contra o HIV, podendo exigir que sejam tentados medicamentos menos caros antes de usar os mais caros, uma prática conhecida como terapia de passo.

Pessoas com HIV e médicos condenaram as propostas.

O diretor executivo da Academia Americana Medicina do HIV, Bruce Packett, representando os médicos que cuidam de pessoas com HIV, disse que as propostas do governo “poderiam ser catastróficas” tanto para os pacientes do Medicare com o vírus, como para a campanha anunciada pelo próprio presidente de acabar com a epidemia.

“Pelo menos 25% de todas as pessoas que vivem com HIV estão em tratamento nos Estados Unidos e confiam no Medicare como sua seguradora. Esses pacientes têm 65 anos ou mais, ou são pessoas com deficiência e muitas vezes têm outras doenças ou condições crônicas, de modo que os médicos precisam ter acesso ao “arsenal completo” de remédios para tratar o HIV”, disse Packett.

O especialista explica que muitos dos pacientes do Medicare com HIV estão tomando medicamentos para suas outras condições, de forma que os médicos precisam se preocupar com as interações medicamentosas. Além disso, Packett alertou que alguns possuem vírus cujas cepas são resistentes a medicamentos, além de que pacientes frequentemente respondem às mesmas medicações de maneiras diferentes.

“É importante que os provedores tenham acesso a todas as opções disponíveis entre os medicamentos para tratar a infecção por HIV”, sentenciou.

Além de tudo, os requisitos para autorização prévia e restrições semelhantes podem atrasar o início do tratamento. Estudos mostram que um rápido início de terapia, dentro de uma semana ou até mesmo um dia de diagnóstico, produz melhores resultados para os pacientes e reduz a probabilidade de infectarem outras pessoas.

SAIBA MAIS:

Affordable Care Act (Obamacare) – É uma lei regulatória federal para controle dos preços dos planos de saúde e para a expansão do alcance dos seguros de saúde tanto públicos quanto privados para a população dos Estados Unidos. Tem como objetivo baratear custos para os usuários e para o governo, além de promover a melhoria da qualidade do serviço. É conhecido como Obamacare por ter sido sancionado pelo presidente Barak Obama em 23 de março de 2010, após sua promulgação no congresso.

Traduzido de The New York Times

Com imagem de AP Photo/Andrew Harnik