Decisão da ANVISA permite compra de genéricos, ampliando acesso da população a tratamento de ponta, mas esbarra em vitória do lobby para retirar poderes da Agência.

 

A Anvisa publicou no diário oficial do dia 20/03/2017, decisão pela rejeição do pedido de patente feito pela empresa Gilead para o medicamento sofosbuvir, considerado peça essencial do tratamento mais avançado para Hepatite C. No entanto, na mesma semana circularam notícias de um acordo entre INPI e ANVISA que pretende retirar o caráter vinculante das decisões da ANVISA.

O Brasil possui 1,6 milhões de infectados por Hepatite C, mas até o final de 2016, menos de 30 mil pessoas haviam recebido tratamento com sofosbuvir. O preço cobrado pela Gilead é U$ 6293 por paciente. Nos países que apresentam as melhores taxas de cobertura de tratamento, são utilizados genéricos que custam entre U$300 e U$900 por paciente.

A rejeição da patente pela ANVISA é resultado de esforços da sociedade civil, que por meio do Grupo de Trabalho em Propriedade Intelectual (GTPI/Rebrip), coordenado pela Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (ABIA), apresentou à ANVISA argumentos técnicos em favor da rejeição da patente. Esses argumentos foram apresentados em 2015 e complementados em 2016, após contra argumentação submetida pela Gilead. O GTPI, junto com parceiros, também organizou protestos na porta da ANVISA e em congressos nacionais e internacionais, além de manifestos, cartas e debates. No final de 2016, a Fiocruz também submeteu junto à ANVISA argumentos contra a patente. Todo este esforço, no entanto, está ameaçado pelo acordo anunciado entre INPI e ANVISA. Caso promulgado, as análises da Anvisa, conhecidas como “anuência prévia”, se tornam meras “opiniões”.

“A lei brasileira fez um grande acerto ao colocar a Anvisa para analisar se os pedidos de patente cumprem os requisitos técnicos, pois a agência conta com um quadro especializado de examinadores da área farmacêutica. No entanto, por ser uma medida que favorece a saúde pública impedindo que as grandes empresas do setor prolonguem monopólios e preços altos, a derrubada da anuência prévia sempre foi um objetivo central do lobby das empresas multinacionais. Este acordo é a constatação de que o lobby venceu e a saúde pública perdeu”, avalia Pedro Villardi, coordenador do GTPI. “A decisão sobre o sofosbuvir demonstra a grande importância que tem a participação da Anvisa. Esperamos que sirva de alerta para que este acordo seja revisto ou pelo menos fruto de um debate público. Esta rejeição da patente precisa imediatamente se traduzir em maior acesso para a população, existem versões mais baratas do medicamento disponíveis que poderiam ser compradas com base na decisão da Anvisa”, ressalta Villardi.

Em casos envolvendo medicamentos antirretrovirais, como Truvada – usado na prevenção do HIV – e TAF – opção menos tóxica para tratamento inicial de HIV/Aids – a empresa Gilead recorreu na justiça das decisões da Anvisa. De acordo com o GTPI, a mesma estratégia pode ser usada para tentar fragilizar ainda mais a decisão da Anvisa sobre o sofosbuvir. “Não podemos aceitar nenhum tipo de apelo da Gilead e nenhuma reviravolta por parte do INPI, a rejeição da patente pela Anvisa já está fundamentada e precisa ser o ponto final. Disso depende a resposta do Brasil à epidemia de Hepatite C”, reforça Villardi.