Manifesto que reúne 152 organizações da sociedade civil denuncia o desprezo por soluções como marcas do governo e do Congresso Nacional na gestão do combate à pandemia. O movimento destaca ações instituicionais que seguem na contramão da ciência, do bom senso ou de ambos, como a demora da Câmara dos Deputados em debater e aprovar soluções de efeito amplo,.como o PL 1462/2020, que suspende o efeito das patentes e destrava barreiras de acesso para qualquer tecnologia relacionada ao combate à Covid-19, incluindo vacinas.
Em vez disso, a Casa trabalhou para aprovar a lei apelidada de “fura-filas” (PL 948/2021), que permite a compra de vacinas pela iniciativa privada, estabelecendo que pessoas que tem dinheiro possam imunizar, enquanto o ritmo da vacinação no SUS se arrasta e sofre com a própria escassez de imunizantes à venda, depois do governo federal negar ofertas de farmacêuticas em 2020.
A Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA), organização que coordena o Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual (GTPI, assinou o documento. Leia abaixo, na íntegra, o manifesto que pede que as instituições prodizam soluções coletivas e globais, o que se espera do Legislativo e Executivo.
Manifesto
Por uma vacinação para todas e todos pelo Sistema Único de Saúde
Contra o fura-fila e pelo licenciamento compulsório das vacinas
Tendo provocado mais de 370 mil mortes – e ultrapassado a marca de 4 mil óbitos por dia na primeira semana de abril -, é inegável que a pandemia de Covid-19 no Brasil já se tornou uma catástrofe humanitária. Mas, em vez de trabalhar para que medidas sanitárias comprovadamente eficazes sejam adotadas, o governo brasileiro, com apoio do Congresso, tem agido de forma a piorar as chances de seus cidadãos sobreviverem à pandemia.
Em vez de atuar pela ampliação da vacinação, aprovando medidas que permitiriam ao país produzir mais imunizantes rapidamente, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que permite que empresas furem a fila das vacinas. Em lugar de assegurar recursos para que as pessoas possam ficar em casa e garantir que o vírus não se dissemine, os parlamentares diminuíram o valor do auxílio emergencial para valores que não cobrem nem metade de uma cesta básica.
A forma pela qual o governo vem conduzindo a resposta à pandemia tem
intensificado as desigualdades no país – socioeconômicas, raciais, de gênero e territoriais. Grupos cujos direitos têm sido historicamente violados, tais como a população negra, quilombola e indígena, são os que detêm hoje maior índice de mortalidade por Covid-19. O mesmo acontece com aqueles vivendo na extrema pobreza, particularmente as mulheres negras e aqueles que integram serviços considerados essenciais. A vacina, que poderia diminuir a vulnerabilidade a qual estão expostas essas populações, tampouco está disponível para elas. O projeto de lei do fura-fila das vacinas, caso aprovado, vai agravar essa situação.
A vacinação, além de lenta – ainda não atingimos nem mesmo 5% da população vacinada com as duas doses – tem atingido negros e brancos de forma desproporcional: duas vezes mais brancos foram vacinados, apesar de negros serem 56% da população do país. O acesso à vacinação é limitado pelo racismo estrutural da sociedade brasileira. Além disso, o Plano Nacional de Imunização tem deixado fora da prioridade grupos com alta possibilidade de contágio e complicações mortais pelo vírus, tais como pessoas em situação de rua, quilombolas, trabalhadores de serviços essenciais e pessoas em situação de privação de liberdade.
Pelas razões acima, autoridades sanitárias têm chamado atenção para a importância de soluções globais, que enfrentem desigualdades estruturais. Essas soluções dizem respeito tanto à produção e/ou aquisição das vacinas quanto à sua distribuição.
Vivemos uma crise de escassez de vacinas no mundo, agravada no Brasil pela indisposição e inabilidade do governo para negociar a compra de imunizantes e insumos. Precisamos de mecanismos que nos permitam produzir vacinas e outros medicamentos e tecnologias de combate à Covid-19 com rapidez e a preço justo, de forma a permitir a imunização de todas as pessoas o mais rápido possível.
Nesse sentido, um instrumento importante, defendido por centenas de países, é o licenciamento compulsório dos imunizantes durante a pandemia, capaz de permitir a fabricação local de vacinas comprovadamente seguras e eficazes a preços muito menores, garantindo doses para todas as pessoas. Hoje, tramitam no parlamento diversos projetos de lei nesse sentido. No Senado Federal, ganharam destaque os PLs 12/21 e 1171/21. Na Câmara dos Deputados, destacam-se os PLs 1462/20 e seus apensos. Entendemos que o PL 1462 é o que tem melhor texto e mais amplo apoio, pois é assinado por 14 parlamentares de todo o espectro partidário, foi unanimidade na comissão externa do coronavírus e tem requerimento de urgência assinado por mais da metade da casa. O PL 1462/20 é o melhor texto pois: (a) desburocratiza e agiliza a emissão das licenças ao atrelá-las à declaração de emergência nacional em saúde; (b) é amplo, ao superar a necessidade de negociação caso a caso, por envolver todas as tecnologias úteis ao combate à COVID-19; (c) as licenças compulsórias duram enquanto durar a emergência em saúde. É muito importante e urgente que os Congressistas aprovem algum desses PLs, garantindo que os três pontos acima estejam contemplados.
O licenciamento compulsório é uma medida prevista na legislação brasileira que apenas suspende temporariamente o direito de exclusividade – ou monopólio – do titular de uma patente. Em outras palavras, no caso em questão, os fabricantes de vacinas ou de outras tecnologias de combate à Covid-19 somente abririam mão do direito exclusivo de produzir e vender determinada vacina ou tecnologia, permitindo que outros laboratórios também a fabricassem e a vendessem enquanto durasse a emergência de saúde. Os detentores da patente continuariam a receber royalties. A possibilidade de emitir licenças compulsórias em casos de emergência também consta de diversos acordos e tratados internacionais. Centenas de países e personalidades estão hoje mobilizados para acionar esse dispositivo no âmbito da Organização Mundial do Comércio, por exemplo, para permitir que a vacina chegue a todas e todos o quanto antes.
Ou seja, a aprovação de algum dos PLs acima, notadamente o PL 1462/20 que tramita na Câmara dos Deputados, pelo Congresso permitiria que muito mais vacinas fossem produzidas num período muito menor de tempo, reduzindo a disseminação do vírus e muitas mortes evitáveis. O que pedimos é que, pelo menos nesse momento de catástrofe humanitária, as empresas farmacêuticas – e o Congresso brasileiro – coloquem as vidas acima do lucro.
No que diz respeito à aquisição e distribuição de vacinas, o melhor caminho é a centralização dos esforços pelo governo federal – que normalmente teria mais condições de negociação do que os Estados ou atores privados no mercado internacional – no âmbito do Programa Nacional de Imunizações (PNI). O modelo descentralizado, principalmente quando inclui atores privados, é arriscado do ponto de vista econômico e epidemiológico, pois pode acentuar desigualdades regionais e prejudicar o acesso à vacina por parte das populações mais vulneráveis.
É por isso que não podemos permitir a aprovação de propostas que institucionalizem o fura-fila das vacinas por entes privados, tais como o PL 948/2021, aprovado pela Câmara dos Deputados no dia 7 de abril. O projeto amplia a já questionável permissão para que empresas comprem vacinas, sem nem mesmo obrigá-las a atender aos requisitos legais mínimos de destinação de vacinas para o Sistema Único de Saúde (SUS). Na prática, esta proposta implica que empresários e seus familiares poderão ser vacinados antes do cumprimento do calendário de vacinação dos grupos populacionais que apresentam maior risco de infecção e que deveriam ser, portanto, prioritários. Também significa que não estarão obrigados a doar 100% das vacinas compradas para o Sistema Único de Saúde, conforme previa a lei anterior. Finalmente, não obriga a vacinação de todos os profissionais, abrindo uma brecha para que o dono da empresa defina quem vai ser vacinado ou não.
A pandemia é um desafio global. Somente na esfera pública, que conta com o SUS e os sistemas de seguridade e proteção social, é possível garantir que o direito constitucional à saúde seja cumprido na prática de forma equitativa, universal e redistributiva. Toda a população tem direito de ser vacinada, e isso só será possível por meio do SUS.
Assim, as entidades abaixo subscritas defendem a aprovação de mecanismos que permitam o licenciamento compulsório de vacinas e outras tecnologias úteis ao enfrentamento da Covid-19 e rechaçam veementemente a proposta contida no PL 948/2021 e em textos similares. Conclamamos o Congresso a ajudar no combate à pandemia de forma a facilitar a vacinação do maior número de pessoas o quanto antes e, para tanto, aprove o licenciamento compulsório e não aprove o fura fila das vacinas.
- 6ª Semana Social Brasileira
- ABCD (Ação Brasileira de Combate às Desigualdades)
- Abenfisio – Associação Brasileira de Ensino em Fisioterapia
- ABIA (Associação Brasileira de Aids)
- ABONG (Associação Brasileira de ONGs)
- Acaçá Axé Odo
- Ação Educativa
- ACARMOLBTNEGRITUDE
- Acredito – SP
- Afro-Gabinete de Articulação Institucional e Jurídica – AGANJU
- Agentes de Pastoral Negros do Brasil
- Alagbara Articulação de Mulheres Negras e Quilombolas no Tocantins
- AMB – Articulação de Mulheres Brasileiras Bauru e Jaú-SP
- AME – Amigos Múltiplos pela Esclerose
- ANPSINEP – Articulação Nacional de Psicólogas (os) Negras (os) e Pesquisadores
- Aos Brados!
- Articulação Brasileira pela Economia de Francisco e Clara – Núcleo Baixada Santista
- Assessoria Popular Maria Felipa
- Associação Alternativa Terrazul
- Associação Caraguatás Ambiental
- Associação Carnavalesca Bloco Afro Olodum
- Associação Cultural de Estudos Contemporâneos – Institutos
- Associação Cultural Educacional Afro-Brasileira OGBAN
- Associação de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade – MG
- Associação Projetos Integrados de Desenvolvimento Sustentável do Butantã
- Associação Protetora dos Desvalidos
- Associação Rede Unida
- Bloco Afro Pretinhosidade
- Cáritas de Itacoatiara
- Casa Laudelina de Campos Mello Preciso – Organização da Mulher Negra
- Católicas pelo Direito de Decidir
- CDD – Crônicos do Dia a Dia
- CDJBC (Centro Dom José Brandão de Castro)
- CEERT (Centro de Estudos das Relações de Trabalho de Desigualdades)
- Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará – CEDENPA
- Centro de Referência da Cultura Negra de VN
- Centro Ecumênico de Cultura Negra – CECUNE
- Coalizão Direitos Valem Mais
- Coalizão Negra por Direitos
- Coletivo Afroencantamento
- Coletivo Afronte
- Coletivo Beco
- Coletivo Black Divas
- Coletivo de Familiares de Vítimas do Estado
- Coletivo de Mulheres Negras Maria Maria de Altamira
- Coletivo Leste Negra
- Coletivo Raízes do Baobá – Jaú, SP
- Coletivo Raízes do Baobá Negras e Negros – Bauru, SP
- Coletivo Reverendo Martin Luther King Jr
- Coletivo Sapato Preto – Negras Amazônidas
- Comissão Episcopal – Pastoral Especial para o Enfrentamento ao Tráfico Humano – CNBB
- Comissão Episcopal – Pastoral para a Ação Sociotransformadora – CNBB
- Comissão Pastoral da Terra – CPT – Prelazia de Itacoatiara
- Comissão Pastoral da Terra – CPT – Tucuruí, PA
- COMMM UDI MULHERES – Comitê da Marcha Mundial das Mulheres – Uberlândia, MG
- Comunidade Samba María Cursi
- CONAM – Confederação Nacional das Associações de Moradores
- CONAQ – Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Rurais Quilombolas
- Conectando Mulheres
- Conectas Direitos Humanos
- Conselho Municipal de Direitos Humanos de Bauru, SP
- Criola
- Educafro Brasil
- ELAS
- Elas por Elas – Vozes e Ações das Mulheres
- Engenheiros Sem Fronteiras – Brasil
- EQUIP – Escola de Formação Quilombo dos Palmares
- Evangélicas pela Igualdade de Gênero
- FACESP – Federação das Associações Comunitárias do Estado de São Paulo
- Fé, Paz e Clima
- Foaesp (Fórum das ONG Aids do Estado de São Paulo)
- Fórum das ONG Aids do Rio Grande do Sul
- Fórum Nacional de Mulheres Negras Bahia
- Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negras e Negros – FONATRANS
- Fundação Avina
- Fundação Tide Setubal
- Geledés – Instituto da Mulher Negra
- Gestos
- Getec – Grupo de Estudos sobre Relação de Gênero e Tecnologia – UTFPR
- GIV (Grupo de Incentivo à Vida)
- GPEA – UFMT
- Grupaes
- Grupo de Apoio ao Paciente Reumático de Ribeirão Preto
- Grupo de Resistência Asa Branca
- IARA – Instituto de Advocacia Ambiental e Racial
- IDEAS – Assessoria Popular
- IDEC (Instituto de Defesa do Consumidor)
- Ilê Omolu Oxum
- Inesc (Instituto de Estudos Sócio-Econômicos)
- Iniciativa Sankofa
- Instituto Afro Brasil do Paraná
- Instituto Afropoder
- Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase)
- Instituto Búzios e 21 dias de Ativismo contra o Racismo
- Instituto de Ação Social e Cidadania Mão Amiga
- Instituto de Desenvolvimento Sustentável Baiano – IDSB
- Instituto de Mulheres Negras de Mato Grosso – IMUNE MT
- Instituto de Mulheres Negras do Amapa – Imena
- Instituto de Promoção e Proteção de Direitos Humanos
- Instituto de Referência Negra Peregum
- Instituto do Negro Padre Batista
- Instituto EQUIT – Gênero, Economia e Cidadania Global
- Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social
- Instituto Internacional Arayara
- Instituto Internacional Arayara – Arayara.org
- Instituto Luiza Mahin – ILUMA
- Instituto Mancala
- Instituto Pólis
- Instituto Procomum
- Instituto Soma Brasil
- IROHIN – Centro de Documentação, Comunicação e Memoria Afro Brasileira
- LBL – Liga Brasileira de Lesbicas
- Marcha das Mulheres Negras de São Paulo
- Marcha do Orgulho Crespo Londrina e Região 14 Municípios
- MNU – Movimento Negro Unificado SP
- Movimento Moleque
- Movimento Negro Unificado – MNU
- Movimento Social de Mulheres Evangélicas do Brasil (MOSMEB)
- Mulheres Negras do Interior Paulista
- Naapp
- Não Fracking Brasil
- NOSSAS
- Núcleo de Sem Casa Santíssima Trindade
- Núcleo Estadual de Mulheres Negras do ES
- OBSERVARE
- OCM – Observatório do Carvão Mineral
- ONDJANGO – Núcleo de Estudos Afrobrasileiros
- OPG – Observatório do Petróleo e Gás
- Oxfam Brasil
- Pastoral da Juventude – Prelazia de Itacoatiara, AM
- PerifaConnection
- Plataforma Dhesca Brasil
- Prelazia de Itacoatiara – Amazonas
- Programa Mais Médicos para o Brasil
- Provincia Nossa Senhora de Guadalupe, Irmas do Imaculado Coração de Maria
- Psorierj
- Quilombo PcD
- Rádio Comunitária Cantareira FM
- Rebrip – Rede Brasileira pela Integração dos Povos
- Rede Afro LGBT
- Rede das Mulheres de Terreiro de Pernambuco
- Rede de Mulheres Negras de Pernambuco
- Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde
- Rede Sapatà (Rede Nacional de Promoção e Controle Social da Saúde, Cultura e Direitos das Lésbicas e Bissexuais Negras)
- Remtea – Rede Mato-Grossense de Educação Ambiental
- Renafro Saude
- RNP+SP
- Serviço Franciscano de Solidariedade – SEFRAS
- Sindicato dos Médicos de Campinas e Região
- Sindicato dos Trabalhadores Domésticos da Bahia
- Uneafro Brasil
- Vigência
Com imagem de Marcelo Pinto/APlateia – Agência Senado
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