Passado o processo de eleição das mesas diretoras da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, o Congresso Nacional retoma oficialmente suas atividades.
Assumem as presidências o deputado Arthur Lira (PP/AP) e o senador Rodrigo Pacheco (DEM/MG), ambos com apoio do Poder Executivo Federal, como comentamos semanas atrás. Eleitos com folga para o comando das Casas Legislativas, contaram com o aval do “centrão” para assumir as cadeiras, mas sabe-se bem que fazer um presidente (nesse caso, dois) “do Planalto” com o apoio do “centrão” não é uma equação muito fácil.
No nosso presidencialismo meio parlamentarista, manter a sinergia do Legislativo com o Executivo pode custar muito caro, para o presidente. No governo de coalizão, garantir que a pauta do Legislativo siga o plano do governo federal significa fazer alianças, e, desde a redemocratização, os partidos do bloco chamado “centrão” têm um peso muito grande nessa construção. Fazer aliança com o “centrão” significa muitas vezes abrir mão de cargos, verbas e até algumas agendas.
Por isso, ainda que seja possível dizer que a eleição de Lira e Pacheco foi uma vitória importante para a Presidência da República, a fatura desse apoio é alta. Também porque, o “acordo”, assumido a partir da promessa de cargos e emendas orçamentárias, foi para a eleição da mesa, não para fidelidade nos dois anos do mandato.
Enquanto isso, Lira e Pacheco iniciam os trabalhos mostrando alinhamento na agenda que buscarão pautar. Finalmente aprovar a reforma tributária na Comissão Mista e destravar a reforma administrativa são ações prometidas pelos presidentes, assim como retomar as atividades da Comissão Mista do Orçamento que, parada em 2020 por disputa política, ainda não votou o orçamento de 2021.
Diferente de Rodrigo Maia, que buscava interlocução com o campo de centro-esquerda e segurava algumas pautas como as antiambientalistas, Lira chega com uma postura de enfrentamento, e, com o respaldo do “centrão”, tem força para tratorar e levar à votação proposições sem acordo.
Além disso, desde meados de 2020, o parlamento brasileiro vem sendo pressionado a retomar as atividades das comissões permanentes, que foram congeladas no ano que deu início à pandemia. O comando dos colegiados é distribuído de acordo com o tamanho dos blocos partidários criados no início da legislatura (2019) e tem importante papel na discussão e avanço de pautas.
O retorno do funcionamento das comissões, apesar de certo, ainda conta com muitas dúvidas a respeito do formato, se presencial, híbrido ou virtual, e acerca da possibilidade (ou não) de participação popular.
Com todo o respeito a Oscar Niemeyer, mas o espaço do Congresso Nacional não é o maior exemplo de local adequado às medidas sanitárias de combate à pandemia. Os plenários, assim como as salas das comissões, são ambientes fechados. Na Câmara dos Deputados elas sequer têm janelas. Todas encarpetadas e pequenas, em dias mais “animados” fica impossível entrar nas salas, de tão cheias.
Como funcionaria então esse “novo normal” sem vacina? Ainda que consigam reduzir o acesso e a circulação de pessoas, fica o questionamento: como serão realizadas as discussões e votações? Como se dará a participação da população nesses processos?
Na quinta feira (11/02) a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Resolução (PRC) 06/2020, que prevê a retomada da atividade das comissões. O PRC prevê que poderão acessar os colegiados “representantes de organizações e entidades, preferencialmente nacionais, diretamente relacionadas com os temas em discussão para prestação de informações técnicas previamente cadastrados nas secretarias das comissões, desde que respeitado o limite máximo de pessoas por sala”. Mesmo assim ainda não é possível saber como se dará esse cadastramento e seleção. Até o momento da publicação deste artigo, nem a Secretaria das Comissões soube nos dar uma resposta a respeito disso.
Enquanto isso, na Ordem do Dia é esperada alguma convergência de agenda entre os novos presidentes das Mesas e o Palácio do Planalto, especialmente no que se refere à agenda de reformas liberais . É possível que a pauta de costumes volte à tona, mas ficará em segundo plano se disputar agenda com a econômica.
Na área da saúde, propostas de resposta à crise sanitária seguem com considerável relevância, sessões para ouvir o ministro da Saúde e a Anvisa devem ser cada vez mais frequentes, assim como a deliberação de pautas populistas, como as que criminalizam a destruição de vacinas ou de corrupção de planos de imunização.
Vejam que acima usei o termo “resposta”, não “solução”, pois seguem paradas as proposições que realmente buscam resolver o problema da oferta e sustentabilidade das vacinas, como aquelas que visam o fim dos monopólios. Ainda que parlamentares tenham apresentado projetos de lei sobre licença compulsória, como o PL 174/2021 (arquivado a pedido do autor, seis dias depois), o tema não ganhou o protagonismo merecido.
Contudo, aqueles que buscam o acesso universal e sustentável seguem utilizando as ferramentas regimentais que têm à disposição para levantar a agenda. A deputada Alice Portugal (PCdoB/BA), por exemplo, está colhendo assinaturas para realizar uma Comissão Geral sobre “quebra de patente nacional e suspensão global das patentes”. A Comissão Geral é uma espécie de audiência pública no Plenário, onde os parlamentares convidam autoridades e especialistas para falar sobre determinado assunto. A realização dessa reunião certamente será um marco na discussão sobre licença compulsória no parlamento brasileiro.
Brasília, 15 de fevereiro de 2021
Andresa Porto – Cientista Política e colaboradora do Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual (GTPI).
Com imagem de Luis Macedo / Câmara dos Deputados
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