Mudança da posição americana no debate da Organização Mundial do Comércio (OMC) é um passo para a suspensão global e temporária de patentes. Caso OMC aprove a iniciativa, o número de fornecedores, globalmente falando, aumentará e o Brasil terá mais fornecedores de quem poderá comprar vacinas contra Covid-19

São Paulo, 06 de maio de 2021 – Um grupo com 154 entidades da sociedade civil lançou, na semana passada, um manifesto demandando compromisso do Congresso Brasileiro com a vacinação de todas as pessoas através do SUS (Sistema Único de Saúde). Com o nome “Mais Vida, Menos Lucro”, o grupo pedia, entre outras coisas, a derrubada de barreiras de mercado que limitam a produção nacional de vacinas, como é o caso do monopólio de fabricação e venda de imunizantes por farmacêuticas e empresas produtoras de outras tecnologias críticas para o combate à Covid-19. Agora, com a declaração do governo americano em apoiar a suspensão de patentes de vacinas contra Covid-19, um novo debate se abre no Brasil. 

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Sobre a sinalização americana é preciso separar o que acontece em âmbito nacional e o que acontece em âmbito internacional, na Organização Mundial do Comércio (OMC). 

No Brasil, tramitam no congresso vários projetos de lei sobre licença compulsória, que suspende de forma temporária o monopólio causado pela patente. Inclusive na última quinta-feira, dia 29/04, o Senado Federal aprovou o PL 12/2021 para acelerar a emissão de licenças compulsórias O texto segue agora para a Câmara dos Deputados.

Em âmbito internacional, na OMC, Índia e África do Sul propuseram a suspensão global, temporária das patentes e outros direitos de propriedade intelectual, em inglês Waiver. Essa proposta engloba todas as tecnologias para o enfrentamento da Covid. Pelo comunicado da embaixadora americana, Katherine Tai, o apoio americano ao waiver deve ser restringir às patentes de vacinas. Ainda é necessário que o texto seja negociado e aprovado na OMC para que entre em vigor a suspensão temporária das patentes. Embora histórica, essa é, portanto, apenas uma sinalização de mudança da posição americana no debate na OMC. 

Ao contrário do que alguns grupos de interesses específicos falam, caso essa suspensão seja aprovada na OMC, o número de fornecedores, globalmente falando, aumentará e o Brasil terá mais fornecedores de quem poderá comprar. Não existe qualquer relato, estudo ou evidência que mostre que países que enfrentaram o problema das patentes tenham sido retaliados. Não houve desinvestimento, não houve retaliação. Houve aumento do acesso e economias para os cofres públicos. O receio de retaliação, inclusive, era atribuído em larga medida aos EUA – ironicamente o país que mais emitiu licenças compulsórias da história. Esse receio cai por terra, uma vez que o próprio governo americano apoia a suspensão das patentes para as vacinas.

Muitos países já emitiram licenças compulsórias.. O Brasil só usou a licença compulsória uma vez, em 2007, para o medicamento efavirenz, utilizado no tratamento do HIV. Em cinco anos, comprando o medicamento genérico, o SUS economizou mais de 100 milhões de dólares.

Vacina para todas e todos

Como destaca o manifesto da sociedade civil, o licenciamento compulsório é uma medida prevista na legislação brasileira e em tratados comerciais dos quais o Brasil faz parte. “O que pedimos é que, pelo menos nesse momento de catástrofe humanitária, as empresas farmacêuticas – e o Congresso brasileiro – coloquem as vidas acima do lucro.” 

O documento ainda reforça que, “em vez de trabalhar para que medidas sanitárias comprovadamente eficazes sejam adotadas, o governo brasileiro, com apoio do Congresso, tem agido de forma a piorar as chances de seus cidadãos sobreviverem à pandemia”. A liberação da compra privada de vacinas e a redução do auxílio emergencial são apontados como exemplos de iniciativas que ampliam as desigualdades socioeconômicas, raciais, de gênero e territoriais no país. 

“O acesso à vacinação é limitado pelo racismo estrutural da sociedade brasileira. Além disso, o Plano Nacional de Imunização tem deixado fora da prioridade grupos com alta possibilidade de contágio e complicações mortais pelo vírus, tais como pessoas em situação de rua, quilombolas, trabalhadores de serviços essenciais e pessoas em situação de privação de liberdade”, diz trecho do documento. 

Para as entidades, as soluções para a pandemia no Brasil precisam ser globais e passam tanto pela produção e aquisição de vacinas, com mecanismos de transparência que garantam o seguimento dos contratos, quanto pela sua distribuição de forma equitativa, centralizada no SUS e com priorização dos grupos mais vulneráveis.

Entre as entidades que assinam o documento estão Associação Brasileira de Combate às Desigualdades (ABCD), Associação Brasileira de AIDS (ABIA), Associação Brasileira de ONGs (Abong), Católicas pelo Direito de Decidir, Coalizão Negra por Direitos, Conselho Indigenista Missionário, Fundação Avina, Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual (GTPI), Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), Instituto de Estudos Socio-econômicos (Inesc), Instituto Ethos, Nossas, Oxfam Brasil, Rede Advocacy Colaborativo (RAC) e Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).