A Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA) vem a público se manifestar a respeito da distribuição do medicamento antirretroviral Dolutegravir pelo Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos/Fiocruz), fruto de sua Aliança Estratégica com as gigantes da indústria farmacêutica GSK e ViiV Healthcare, conforme anunciado recentemente.

Para a ABIA, a distribuição do Dolutegravir pela Farmanguinhos/Fiocruz é uma medida importante para facilitar a adesão de pessoas recém-diagnosticadas com o vírus HIV. Além disso, pode gerar um impacto significativo na garantia do direito à vida e do bem estar das pessoas que vivem com o HIV e AIDS no Brasil. Por isso a ABIA, junto com outras organizações da sociedade civil, tem defendido a incorporação do Dolutegravir no SUS e a redução do seu preço desde 2015.

Entretanto, nos causa preocupação a ausência de informações transparentes sobre o impacto da aliança estratégica entre Fiocruz, GSK e ViiV nos preços do medicamento, bem como sobre a incorporação ou não de tecnologia nesse processo. E também nos chama atenção a falta de reconhecimento do papel chave da sociedade civil brasileira e do movimento social de luta contra a AIDS em particular na ampliação do acesso a este medicamento. 

Protagonismo da sociedade civil e das pessoas vivendo com HIV na luta pelo acesso ao Dolutegravir

Lembramos que, em janeiro de 2015, o Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual (GTPI), coletivo coordenado pela ABIA, enviou uma carta ao Ministro da Saúde cobrando a abertura de procedimento junto à Comissão Nacional de Incorporações de Tecnologias no SUS (CONITEC) para avaliação da incorporação do Dolutegravir no SUS. A carta também cobrava a utilização das medidas de proteção à saúde previstas em lei para reduzir o preço do medicamento e ofertá-lo de forma universal.

Em julho de 2015, a CONITEC divulgou parecer desfavorável à incorporação do Dolutegravir devido ao alto custo. Nós, da sociedade civil organizada, reunimos dados técnicos que ressaltavam a relevância do medicamento por meio de evidências clínicas que demonstravam a importância para o tratamento do HIV em adultos, tanto como opção de terapia de resgate (3ª linha de tratamento), como opção para terapia inicial, a exemplo do que já ocorre em outros países. Também apresentamos no mesmo documento estratégias de redução de preço a serem adotadas. 

Em outubro do mesmo ano, várias organizações da sociedade civil (que, junto com a ABIA, participam do GTPI) realizaram o seminário intersetorial “Acesso aos ARVs”, no qual o Dolutegravir foi um dos principais pontos de debate. Na ocasião, o Departamento de DST, AIDS e Hepatites Virais (DDAHV) afirmou que seria impossível oferecer o Dolutegravir no Brasil de forma ampla, como tratamento inicial, conforme solicitação da sociedade civil, por causa do alto preço.

Em novembro de 2015, a ABIA, junto com outras organizações do GTPI, organizou, em João Pessoa, um debate sobre incorporação de novos medicamentos, na véspera do 10º Congresso de HIV/AIDS. Na ocasião, o grupo participou de um protesto na abertura do congresso e denunciou os altos preços dos medicamentos de AIDS e o uso abusivo do sistema de patentes.

Uma outra ação aconteceu em dezembro de 2015: a ABIA e o coletivo que coordena (GTPI) realizaram uma oficina sobre tratamento no 18º Encontro Nacional de Redes, Movimentos e ONGs (Enong), na qual convocaram o movimento social a fortalecer as discussões sobre preço e incorporação dos antirretrovirais. 

Essa pressão contribuiu para a incorporação do medicamento em 2016 como tratamento inicial e para uma queda de preço de 70%, de U$5,10 por comprimido para U$ 1,50. 

De 2016 para cá, a ABIA e o GTPI têm lutado contra a concessão de patente para o Dolutegravir, tendo apresentado argumentos técnicos ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) em 2017, 2019 e 2021 demonstrando se tratar de uma patente indevida. Essas ações tiveram como foco promover um ambiente mais sustentável para aquisição do Dolutegravir, pois apesar da queda de preço de 2016, os preços no Brasil permaneciam altos em comparação com outros países e não havia possibilidade de compra de genéricos. Toda essa movimentação da sociedade civil estimulou o surgimento de projetos de produção de versões genéricas locais do Dolutegravir. No entanto, a patente foi concedida e representa um obstáculo para a oferta do medicamento. A patente está agora sob contestação judicial.

A ABIA e as demais organizações da sociedade civil reunidas no GTPI vão continuar exigindo negociações mais transparentes, com participação social, e lutar pela anulação da patente do Dolutegravir, para que o medicamento esteja em domínio público e sua distribuição não fique refém das estratégias comerciais da GSK e ViiV. 

Por estas razões, para nós, da ABIA, a distribuição e ampliação de acesso a um medicamento importante no tratamento inicial como o Dolutegravir pela Farmanguinhos/Fiocruz é um passo relevante, fruto de uma ampla mobilização social, que sempre foi a base dos avanços na luta contra a AIDS no Brasil. Mas ao mesmo tempo exigimos que as informações sobre esta parceria sejam mais transparentes e que o acesso a este medicamento não dependa da boa vontade de empresas multinacionais, que controlam o mercado brasileiro por meio de estratégias abusivas de patenteamento. 

Rio de Janeiro, 25 de março de 2022.

Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS