Em carta enviada hoje à Ministra da Saúde, Nísia Trindade, o Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual e mais 33 associações de pacientes de fibrose cística e grupos da sociedade civil pedem uma ação urgente do Governo
Federal para garantir que todas as crianças e jovens com a doença tenham acesso ao tratamento mais avançado e o “direito de respirar sem sofrimento”.

A carta pede que a Ministra declare interesse público do medicamento Trikafta (ivacaftor/tezacaftor/elexacaftor ), bem como dos medicamentos Kalydeco (Ivacaftor), Orkambi (lumacaftor/ivacaftor) e Symdeko (ivacaftor/tezacaftor). Todos da classe dos moduladores da proteína CFTR e destinados ao tratamento contínuo, corrigindo a disfunção básica que origina a doença.

No Brasil, a fibrose cística é a doença genética grave mais comum da infância. De acordo com dados do Grupo Brasileiro de Estudos em Fibrose Cística (GBEFC), existem 6112 pacientes identificados no Brasil, 74% são menores de 18 anos. Não existe cura e sem tratamento a doença progride se tornando letal. Metade dos óbitos ocorre antes dos 18 anos.

O medicamento Trikafta, lançado nos EUA em 2019 e registrado na ANVISA em 2022 é considerado o mais eficaz e o que abrange o maior número de pacientes brasileiros. Pelo menos 2800 pessoas poderiam ser tratadas no país com este medicamento, caso estivesse disponível.

Para ser oferecido no Sistema Único de Saúde (SUS), o medicamento precisa ser aprovado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (CONITEC). No entanto, os medicamentos Orkambi e Symdeko foram rejeitados pela comissão devido ao seu preço excessivamente alto, R$ 604.711,90 e R$ 617.519,14 por tratamento anual,
respectivamente. O Trikafta está atualmente sob avaliação da Conitec. O preço para compra pelo Governo, para um ano de tratamento, é de R$ 888.174,43, conforme dados da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED).

Familiares de crianças afetadas pela doença tem recorrido a ações na justiça ou a importação de versões genéricas produzidas em outros países. No caso de Rafaelle Pereira, de Curitiba, a família teve que vender diversos bens, pegar empréstimos e fazer campanhas de arrecadação para conseguir comprar duas caixas do Trikafta e onze caixas
do Trixacar, uma versão genérica produzida na Argentina.

“A partir dos meus 15 anos a doença piorou e eu vivia internada. Com 19 entrei na fila de transplante de pulmão, não conseguia fazer nada, nem força para tossir eu tinha mais. Depois de começar o tratamento, consegui recuperar minhas forças e não uso mais oxigênio suplementar. Hoje eu quero que todos possam ter acesso a esse medicamento. Não faz sentido o Trikafta ter esse valor proibitivo. Não é justo uma pessoa de 20 anos ter que aceitar que não vai mais viver simplesmente porque o remédio é caro demais”, disse Rafaelle.

Caso declarado interesse público, o governo dará inicio ao processo de licenciamento compulsório das patentes que hoje impedem a importação ou fabricação nacional de versões genéricas do Trikafta e demais medicamentos. A concorrência é considerada por especialista do setor como um elemento fundamental para que a empresa Vertex,
titular das patentes, reduza os preços cobrados no Brasil.

“Não estamos pedindo apenas a redução de preço, pedimos acesso a universal para que todos possam ser tratados. Não cabe à indústria farmacêutica decidir quem vive e quem morre para maximizar seus lucros. Nesse tipo de situação, a licença compulsória é a politica pública mais adequada para proteger a saúde da população.”, disse Susana Van der Ploeg, advogada do Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual – GTPI.

“Acreditamos que o governo brasileiro tem que tomar todas as medidas legais disponíveis para acabar de uma vez por todas com a angústia e o sofrimento das pessoas afetadas por essa doença fatal”, afirmou Letícia Lemgruber, membra da Associação Brasileira de Assistência à Mucoviscidose – ABRAM.

O pedido feito à Ministra da Saúde é liderado pela Associação Brasileira de Assistência à Mucoviscidose – ABRAM – e pelo Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual – GTPI (coletivo da sociedade civil coordenado pela Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids – ABIA), organizações sem fins lucrativos que lutam para implementação de um tratamento adequado aos pacientes de fibrose cística brasileiros e para diminuição dos impactos negativos das patentes sobre políticas públicas de saúde, respectivamente. O pedido conta também com o apoio de importantes instituições de saúde pública como Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES) e a Sociedade Brasileira de Bioética (SBB), organizações de defesa do consumidor como o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), além de diversas associações de pacientes.

Leia aqui a carta.