A Lei dos Medicamentos Genéricos instituída em 1999 teve como objetivo estimular a concorrência e a variedade de oferta no mercado farmacêutico brasileiro. Genéricos são aqueles que podem servir de substitutos de seus medicamentos de referência por comprovarem sua bioequivalência. Eles devem ser no mínimo 35% mais baratos que o medicamento de referência, mas atualmente estão em média 60% mais baratos devido à ampla concorrência. Isso representa uma significativa redução de custos para o SUS e para o povo. Atualmente, 35,7% dos medicamentos comercializados no Brasil são genéricos e estima-se que, desde o início da Lei, a população tenha economizado quase 300 bilhões de reais na compra de medicamentos.
No entanto, apesar da consolidação e do sucesso da Lei dos Medicamentos Genéricos, medidas como a exclusividade de dados põem em risco essa política pública.
O que é exclusividade de dados?
Para que um medicamento possa ser utilizado ele necessita do registro sanitário, concedido pelo órgão competente – no caso do Brasil, a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Através desse registro, são avaliadas questões como eficácia, segurança e qualidade dos produtos (art. 3º, XXI, Decreto 79.094/77). Antes que o fabricante solicite o registro, o produto deve ser submetido a estudos para demonstrar sua atividade no corpo humano. Primeiramente são realizados estudos pré-clínicos, que envolvem animais, que então são sucedidos por estudos clínicos, que envolvem seres humanos e se dividem em fases que vão aumentando de complexidade. Os objetivos são determinar a segurança, no sentido de obter níveis seguros de toxicidade; eficácia, para garantir os efeitos desejados; e qualidade.
A primeira vez que um fabricante solicitar o registro de uma nova entidade química (medicamento de referência), ele deverá apresentar os dados dos estudos pré-clínicos e clínicos. No caso do registro de um medicamento genérico, esses dados não precisam ser apresentados novamente, pois a indicação terapêutica, com informação de segurança e eficácia, já foi fornecida à autoridade reguladora do país. Para a obtenção do registro de medicamento genérico devem ser apresentadas informações sobre qualidade do medicamento e intercambialidade (testes de bioequivalência) com o produto de referência.
O Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (ADPIC ou TRIPS) da Organização Mundial do Comércio (OMC) determina que os países que exigirem a apresentação de dados como condição para comercialização de um medicamento inovador deverão protegê-los contra uso comercial desleal (art. 39.3). Assim, não é exigida a concessão de um direito de exclusividade sobre os dados, mas apenas a proteção contra o uso comercial desleal.
No Brasil, a Lei 10.603/02 regula informações relativas a produtos farmacêuticos de uso veterinário, fertilizantes, agrotóxicos e afins, determinando o prazo de exclusividade de 10 anos para produtos que utilizem novas entidades químicas e biológicas. Essa lei não se aplica a produtos farmacêuticos de uso humano. A Lei 9.279/96 (Lei de Propriedade Industrial – LPI) classifica como crime de concorrência desleal a divulgação ou utilização não autorizada dos dados (art. 195, XIV). Esse dispositivo da LPI confere proteção contra o uso comercial desleal e garante o sigilo, mas não confere direitos de exclusividade sobre os dados.
Como a exclusividade de dados impacta a saúde?
A exclusividade de dados impede que autoridades reguladoras aceitem pedidos de registro de medicamentos genéricos que utilizem como base os dados fornecidos pelo solicitante do registro do medicamento de referência. Isso obriga um produtor de genéricos a apresentar novamente todos os dados – inclusive obtidos com testes em humanos – que demonstrem a eficácia e segurança do produto e não apenas dados relativos à qualidade do produto e equivalência terapêutica, como hoje é feito no Brasil (Lei 9.787/99). Caso o produtor do genérico não possa utilizar os dados do registro do medicamento de referência, ele terá de realizar novamente todos os testes, mesmo já sendo conhecidos os resultados, ou aguardar o término do período para o qual foi definido a exclusividade dos dados.
A repetição desnecessária de estudos clínicos é contrária a princípios éticos de pesquisa em seres humanos (Associação Médica Mundial, Declaração de Helsinki). Além disso, repetir os estudos aumentaria o preço de comercialização, o que pode desestimular produtores de genéricos a solicitarem o registro. Sem o registro de genéricos outras medidas de proteção da saúde pública não poderão ser utilizadas, uma vez que não haverá produtos a preços mais acessíveis para serem fornecidos para a população.
O que está em jogo no Congresso Nacional?
No dia 15 de maio, ocorreu uma audiência pública promovida pela Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação e Informática do Senado Federal sobre proteção regulatória do dossiê de testes (PRDT), também conhecida como exclusividade de dados. Saiba mais.
No dia 22 de maio, às 11h, haverá uma segunda audiência sobre o tema.
A exclusividade de dados é uma forma de postergar a utilização de medicamentos genéricos, possibilitando o monopólio privado mesmo quando não há proteção patentária. As situações de monopólio – como as patentes e a exclusividade de dados – limitam a concorrência e criam barreiras ao acesso, ao limitar as opções de compra e possibilitar a cobrança de preços altos.
Essa proteção adicional é uma medida TRIPS-plus e não decorre de acordos internacionais assinados pelo Brasil na área de propriedade intelectual, não havendo motivo para que seja prevista em nossa legislação.
Medidas como essa põem em risco uma política pública de 25 anos no Brasil. Precisamos garantir que não haja retrocessos.
Estamos de olho!
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