O que são patentes?

As patentes são uma forma de proteção à propriedade intelectual por meio de títulos
temporários concedidos pelos Estados que permitem que o titular de uma invenção
possa explorar sozinho, ou com outros licenciados, o seu invento. Uma invenção só
pode ser patenteada mediante o cumprimento dos requisitos de patenteabilidade:
novidade, atividade inventiva e aplicação industrial. O acordo sobre os Aspectos dos
Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (conhecido como
Acordo TRIPS) da Organização Mundial do Comércio (OMC) deixa uma margem de
autonomia para que os próprios países-membros da organização interpretem os
requisitos de patenteabilidade.

O que são patentes pipeline?

Trata-se de uma medida temporária e excepcional, adotada apenas no Brasil, que
consistiu na revalidação de patentes concedidas em outros países, sem que houvesse
exame de mérito, aceitando-se o exame realizado no país de origem, abdicando-se
assim do preceito da soberania nacional. Este dispositivo foi amplamente rechaçado
nas negociações do Acordo TRIPS, no âmbito da Organização Mundial do Comércio. No
entanto, foi reavivado por grandes empresas estrangeiras dos setores de
medicamentos, alimentos e produtos químicos durante a formulação da lei brasileira
de patentes e acabou sendo inserido nos artigos 230 e 231 da referida lei.

O Brasil foi obrigado a conceder patentes pipeline após assinar o TRIPS?

Não. O Brasil não estava obrigado a adotar e implementar este mecanismo, que
inclusive quando proposto pelos EUA na negociação do TRIPS, foi rejeitado pelo
conjunto dos países. Trata-se, portanto, de uma medida que vai além do patamar
mínimo exigido pelo Acordo TRIPS. A adoção do mecanismo pipeline se deu por
opção do legislativo brasileiro.

Qual a relação entre patentes pipeline e saúde?

De acordo com os dados divulgados pelo INPI, dentro do prazo legal de um ano a
contar da publicação da Lei de Patentes, foram depositados 1.182 pedidos pipeline,
dos quais 63% referem-se a medicamentos. No total, 814 patentes pipeline foram
aprovadas, a maioria para medicamentos, alimentos e agroquímicos. Dessas 814, mais
de 200 se relacionam com produtos farmacêuticos, muitos deles medicamentos
essenciais, utilizados no Sistema Único de Saúde (SUS). Devido a situação de
monopólio gerada pelas patentes pipeline, esses medicamentos oneraram o SUS de
forma absolutamente excessiva na medida em que o Brasil ficou impossibilitado de
adquirir versões genéricas mais baratas disponíveis no mercado internacional ou de
produzi-los localmente a preços mais baixos.

As patentes pipeline podem ser consideradas um estímulo à inovação?

Não, pelo contrário. A grande maioria das patentes aprovadas via pipeline se referia a
tecnologias que já haviam sido reveladas amplamente e há muito tempo, tão longe
quanto 1977. Portanto, ao conceder patentes pipeline, o Brasil não acrescentou novos
conhecimentos para a sociedade, apenas recompensou empresas que se apropriaram
indevidamente de conhecimentos que já estavam em domínio público.

Quem foram os principais beneficiados com as patentes pipeline?

Um olhar sobre os titulares das 814 patentes concedidas pelo mecanismo pipeline
revela que os principais beneficiados foram os gigantes da indústria farmacêutica,
agroquímica e alimentícia: Sanofi, 52 patentes; Abbott, 33; GlaxoSmithKline, 30;
Roche, 26; Pfizer, 22; Novartis, 22; Basf, 22; Merck, 21; Boehringer, 16; Eli Lilly, 15;
Dow Chemicals, 14; Monsanto, 13; Ajinomoto, 12; Otsuka Pharmaceuticals, 12; Bristol,
11.

Como as patentes pipeline impactaram o SUS?

No caso da patente pipeline concedida para o medicamento mesilato de Imatinibe por
exemplo, usado no tratamento de Leucemia mieloide crônica, a empresa Novartis,
detentora da patente, descupriu o acordo feito quando o medicamento foi adotado no
Brasil, em 2001, que determinava redução progressiva de preços 1 . A partir de 2005, a
empresa passou a aumentar os preços cobrados de hospitais e serviços vinculados ao
SUS. O Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Paraná, um dos maiores
centros de tratamento da Leucemia no país e o primeiro a adotar o uso do
medicamento, chegou a ter uma dívida acumulada de R$ 6.561.774,16 2 em 2010 por
causa das despesas com o Imatinibe e em especial do aumento do preço, que entre
2005 e 2010 foi de 23,56%. Cabe notar que em 2008, auge dos aumentos de preço
respaldados por esta patente indevida, o Imatinibe foi o medicamento com o maior
faturamento no Brasil 3 . Nesse ano, o Brasil pagava U$29.612,00 por paciente/ano,
enquanto na Índia, o mesmo medicamento, em versão genérica, custava U$1.642 4 . Ou
seja, o preço no Brasil era 18 vezes mais caro. Então, considerando as quantidades
compradas em 2008 5 , essa patente fez o Brasil pagar U$ 30.571.2010 a mais naquele
ano apenas.

No caso da patente concedida para o medicamento Efavirenz, utilizado no tratamento
de HIV/Aids, a empresa Merck praticou preços abusivos entre 2006 e 2007. À época, o
Efavirenz era o medicamento importado mais utilizado na terapia antirretroviral 6 ,
sendo utilizado por mais de 70.000 pacientes no Brasil – o que representava 38% dos
pacientes em tratamento. Este princípio ativo poderia ter sido fabricado no Brasil, tal
como foi na Índia, pois desde 1992 ele estava em domínio público. No entanto, com a
exceção promovida pelo mecanismo pipeline, ele foi patenteado no Brasil. Em 2007,
tendo em vista o fato dos preços cobrados no Brasil serem muito mais altos que em
outros países em desenvolvimento e a recusa da empresa Merck em reduzir
significativamente o preço, o governo Brasileiro decretou o licenciamento
compulsório, acabando assim com o monopólio. Com isso o preço passou de U$ 580
por paciente/ano para U$ 158 por paciente/ano.

Quais são os argumentos pela inconstitucionalidade do pipeline?

A Constituição Federal, ao determinar a proteção da propriedade industrial, previu
sua vinculação à cláusula finalística contida no inciso XXIX de seu artigo 5º, ou seja, a
proteção só poderá ser concedida para atender o interesse social e o desenvolvimento
tecnológico e econômico do Brasil. As patentes pipeline não cumprem estes fins.
Os pedidos de patentes pelo mecanismo pipeline estariam sujeitos apenas a uma
análise formal e seguem os termos da patente concedida no exterior, não sendo
submetidos a uma análise técnica dos requisitos de patenteabilidade. Isso constitui
uma violação do princípio do devido processo legal substantivo e contraria o princípio
da isonomia.

Além disso, a concessão de patentes pipeline viola frontalmente o princípio da
inderrogabilidade do domínio público, pelo qual um conhecimento, após ter entrado
em domínio público, não pode mais dele ser retirado. Nesse sentido as patentes
pipeline representam uma afronta ao direito adquirido da coletividade.

Por que é importante que o STF julgue o pipeline inconstitucional?

Em primeiro lugar para corrigir um erro histórico, que ao longo dos anos prejudicou o orçamento do SUS e dificultou o acesso dos brasileiros a medicamentos essenciais. Além disso, será a primeira vez no período democrático que a Suprema Corte irá exercer controle concentrado de constitucionalidade (ou seja, julgará uma ação para avaliar se uma norma é ou não constitucional) em relação ao tema da propriedade intelectual.

A jurisprudência criada neste caso terá efeitos concretos em outros casos em curso relacionados a esta matéria, como por exemplo o pedido de inconstitucionalidade do artigo 40 da lei de patentes, que permite a extensão do prazo de monopólio sobre medicamentos; e sobre propostas de políticas públicas em discussão no executivo e no legislativo que caminham no sentido de liberar a concessão indevida de patentes (como por exemplo acabar com exame de patentes no Brasil).

O julgamento também pode decidir sobre os benefícios financeiros e fiscais obtidos pelas empresas detentoras de patentes pipeline. O tribunal poderá, por exemplo, exigir o retorno ao país do dinheiro ganho pelas empresas estrangeiras com as patentes pipeline. Por fim cabe notar que o julgamento também pode ter efeitos no ambiente concorrencial do país, uma vez que ainda existem ações entre empresas, envolvendo disputas que tem como objeto patentes pipeline. Assim, se as patentes forem consideradas inconstitucionais pelo STF essa decisão terá impacto direto em algumas ações que estão nas cortes brasileiras.

Qual a relação entre este caso e outros casos em curso no STF?

Um dos maiores problemas apontados pelos gestores de saúde nas diversas ações em
trâmite no STF é a escassez de recursos públicos e a necessidade de alocação desses
recursos da forma mais eficiente possível. Ao considerar nessa discussão o impacto da
proteção à propriedade intelectual nos preços de medicamentos e nas políticas
públicas de saúde, avançamos na compreensão dos motivos que estão por trás dos
altos preços e na busca de soluções que passem pela redução do preço ao invés da
recusa de fornecimento ao paciente. Casos como o Recurso Extraordinário (RE
566.471/RN), que discute a obrigação do Estado em fornecer medicamento de alto
custo e o Recurso Extraordinário (RE 657.718/MG), que discute a obrigação de
fornecimento de medicamentos ainda não registrados podem portanto ser observados
à luz das ponderações do STF no caso pipeline.

Além disso, um olhar mais atento do STF para o tema da propriedade intelectual e
acesso a medicamentos pode contribuir para tornar mais efetivo o controle de
monopólios que geram uma verdadeira extorsão contra o SUS e que vigoram
indevidamente para muitos dos medicamentos já incorporados e registrados. Esse
tema se relaciona diretamente com as ações que discutem o orçamento da saúde,
como as Ações Diretas de Inconstitucionalidade 5595, 5658 5680, dentre outras, pois
ao fortalecer mecanismos e decisões que limitem os monopólios, é possível reafirmar
o compromisso do Estado com o acesso a medicamentos como direito universal e a
aquisição de medicamentos de forma sustentável no âmbito do SUS.

Por fim existe ainda a ADI 5.061, que visa a extinção do parágrafo único do artigo 40
da lei de propriedade intelectual. Este parágrafo permite a extensão das patentes para
além de 20 anos e tem representado uma série de prejuízos para a concorrência e
queda de preços para medicamentos essenciais. O Julgamento do pipeline pode ter
efeito retórico nesta outra ADI.

Qual é o papel da sociedade civil neste caso?

Em 2007, o Grupo de Trabalho em Propriedade Intelectual (GTPI), um grupo de
organizações da sociedade civil, apresentou, por meio do seu membro Federação
Nacional dos Farmacêuticos – Fenafar – uma representação ao Procurador-Geral da
República solicitando o ajuizamento de uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI)
contra o mecanismo pipeline perante o Supremo Tribunal Federal (STF).

Em 2009, o Procurador-Geral da República, propôs perante o STF uma ADI tendo por
objeto os artigos 230 e 231 da Lei de Patentes.165 A ação foi autuada sob o número
4.234 e foi distribuída à Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha.

Desde 2009, o GTPI tem demandado o julgamento do caso, por meio de eventos,
mobilizações, petições e estudos de impacto em parceria com Universidades. Nesse
processo o GTPI tem sido a voz das pessoas afetadas por estas patentes, em especial
no campo do HIV/Aids, pois além do efavirenz, vários outros medicamentos utilizados
no tratamento da AIDS também foram protegidos pelo mecanismo pipeline (abacavir,
amprenavir, lopinavir, lopinavir/ritonavir e nelfinavir), consumindo assim recursos que
poderiam ter sido destinados a outras ações. No julgamento do dia 22/05, o GTPI
realizará uma sustentação oral, na qual será representado pela advogada Renata Reis.

Quem somos?

O GTPI/Rebrip é um coletivo de organizações da sociedade civil, movimentos sociais,
ativistas e pesquisadores formado em 2003 com atuação no tema da propriedade
intelectual e acesso à saúde no Brasil.

O GTPI atua a partir de uma perspectiva de interesse
público, trabalhando no sentido de mitigar o impacto negativo das patentes na garantia de
acesso da população a medicamentos e na sustentabilidade de políticas públicas.

Saiba mais sobre o julgamento

Atualmente, o GTPI é formado pelas seguintes organizações:

Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS – ABIA (coordenação)
Conectas Direitos Humanos
Federação Nacional dos Farmacêuticos – FEANAFAR
Fórum de ONG AIDS de São Paulo (FOAESP)
Fórum de ONG AIDS do Rio Grande do Sul
Fórum Maranhense de ONG AIDS
Soropositividade, Comunicação & Gênero – GESTOS
Grupo de Apoio à Prevenção da AIDS – Bahia – GAPA/BA
Grupo de Apoio à Prevenção da AIDS – São Paulo – GAPA/SP
Grupo de Apoio à Prevenção da AIDS – Rio Grande do Sul – GAPA/RS
Grupo de Incentivo à Vida – GIV
Grupo Pela Vidda – São Paulo
Grupo Pela Vidda – Rio de Janeiro
Grupo de Resistência Asa Branca – GRAB
Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – IDEC
Médicos Sem Fronteiras – Campanha de Acesso a Medicamentos/Brasil
Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/AIDS – Núcleo São Luís do Maranhão
Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/AIDS – Núcleo Piauí
Universidades Aliadas por Medicamentos Essenciais – UAEM/Brasil

Conheça o trabalho do GTPI em www.deolhonaspatentes.org