Recentemente, grupos de defesa dos pacientes e da saúde instaram os governos emitirem licenças compulsórias sobre as patentes do remdesivir, pertencente à biofarmacêutica Gilead, dos Estados Unidos, para que outras empresas pudessem fazê-lo a preços mais baixos.

Há muitas perguntas sobre como a Gilead, com sede nos Estados Unidos, propõe tornar o medicamento antiviral acessível aos pacientes em todo o mundo, se o remdesivir for realmente eficaz no combate ao novo coronavírus.

“Estamos em discussões ativas com várias agências americanas e globais, e também estamos consultando bioeticistas e outros consultores, para ajudar a determinar a melhor forma de atender às necessidades de saúde pública desse surto com nosso suprimento de produtos disponíveis”, disse um porta-voz da Gilead Sciences, respondendo para consultas do BusinessLine.

Esforços estão em andamento para o equilibrio de duas necessidades, disse o porta-voz: “primeiro, para tentar ajudar as pessoas em necessidade urgente, oferecendo remdesivir sob os programas de acesso ampliado; e segundo, para apoiar ensaios clínicos que possam fornecer uma compreensão mais clara da segurança do produto, eficácia e potencialmente possibilitar o tratamento de muito mais pessoas necessitadas”.

Sobre a perspectiva para o futuro do remdesivir, o porta-voz informou: “estamos construindo um consórcio geograficamente diverso de empresas de manufatura de produtos farmacêuticos e químicos para trabalharmos juntos de maneira coordenada para nos ajudar a atingir e exceder nossas metas de produção, expandindo a capacidade de matérias-primas e produção além do que qualquer empresa poderia fazer individualmente. Esperamos que antes que qualquer país emita uma Licença Compulsória (LC), eles primeiro nos falem sobre como podem fazer parte de uma solução coordenada de suprimentos”.

Uma LC permite que terceiros produzam um medicamento inovador mediante pagamento de royalties à empresa original.

Recentemente, grupos de defesa dos pacientes e da saúde instaram os governos a tomarem essas medidas e substituíram as patentes da Gilead no remdesivir, para que outras empresas pudessem fazê-lo a preços mais baixos.

A Gilead passou por uma situação semelhante com o seu sofosbuvir, um medicamento inovador contra a hepatite C, cujo preço alto era motivo de discórdia. A empresa biofarmacêutica fechou acordos de licenciamento voluntário com fabricantes de medicamentos genéricos da Índia, como Cipla, Cadila Healthcare, Strides e outros, permitindo que eles produzam versões menos caras do mesmo medicamento, limitando sua venda a determinados países. A medida foi criticada por alguns grupos de defesa da saúde. E agora a preocupação é que Gilead faça o mesmo com o remdesivir.

A Gilead informou que em dois meses aumentou a oferta disponível do medicamento usando seu inventário de Ingredientes Farmacêuticos Ativos (IFA).

“Nosso suprimento existente, incluindo o produto final pronto para distribuição, bem como a medicina experimental nos estágios finais da produção, é de 1,5 milhão de doses individuais”, afirmou. Todo o suprimento existente estava sendo oferecido “sem nenhum custo” para tratar pacientes com os sintomas mais graves da Covid-19, informou a empresa.

Licenças Compulsórias preocupam

Nos países que exercem a opção pela LC, a Gilead informou que estava preocupada “não por causa dos direitos de propriedade intelectual, mas porque existe um risco real de criar caos na cadeia de suprimentos para matérias-primas escassas e outros insumos de fabricação que poderiam reduzir a quantidade de remdesivir que poderia ser produzido, além de aumentar o tempo necessário para fazê-lo”.

A produção de remdesivir envolve “um longo processo de síntese química linear que deve ser concluído sequencialmente e inclui várias etapas químicas especializadas e novas substâncias com disponibilidade global limitada. O processo demanda muito tempo e recursos, com algumas etapas individuais de fabricação levando semanas para serem concluídas ”, afirmou a empresa.

E como o Remdesivir é administrado por via intravenosa, a produção também requer recursos estéreis de fabricação de medicamentos, o que limita o número de organizações capazes de fabricar o medicamento, acrescentou. “Esse processo complexo afeta a capacidade de produzir rapidamente grandes quantidades de suprimento de medicamentos em situações de emergência como a pandemia de Covid-19. As interrupções na cadeia de suprimentos afetariam negativamente a entrega do remdesivir aos pacientes, caso fosse considerado seguro e eficaz”, afirmou.

Substituir patentes

A chefe da Campanha de Acesso a Medicamentos do Sul da Ásia da organização Médicos Sem Fronteiras, Leena Menghaney, disse que as pessoas em todo o mundo aguardam ansiosamente os resultados dos ensaios clínicos, incluindo o remdesvir.

“Atualmente, o controle sobre o fornecimento e o preço desse medicamento está apenas nas mãos da Gilead, embora a pesquisa e o desenvolvimento do remdesivir sejam o resultado de um grande esforço coletivo, envolvendo muitos atores e múltiplos recursos públicos”.

A Gilead Sciences possui patentes e muitos países e isso pode impedir que versões genéricas entrem no mercado até 2031, disse Menghaney, o que significa que o medicamento não seria acessível a milhões de pessoas em todo o mundo que precisam para se manterem vivos nesta pandemia.

Assinalando que a Gilead estava possivelmente buscando licenças voluntárias bilaterais com empresas de medicamentos genéricos, incluindo fabricantes indianos, como havia feito com medicamentos para HIV e HCV, a ativista aponta que o modelo não é aceitável em uma emergência de saúde global.

“Pedimos urgentemente aos governo que tomem medidas imediatas para anular as patentes da Gilead e não lhes conceder outras exclusividades, para que os fabricantes de genéricos em todo o mundo possam produzir mais desse medicamento a preços acessíveis. A Gilead deve disponibilizar publicamente todo o conhecimento técnico necessário para que vários fabricantes possam produzir remdesivir para atender à demanda global ”, enfatizou.

Menghaney ressaltou ainda que fabricantes de medicamentos na China e um instituto de pesquisa de Taiwan informaram ter capacidade para produzir remdesivir, além de empresas indianas de genéricos que também estavam trabalhando no seu desenvolvimento.

Comprovada a eficácia do medicamento, a ativista descreve como cenário ideal para uma resposta à Covid-19, o estabelecimento de uma rede de fabricantes em diferentes países, especialmente nos de baixa e média renda, para uma rápida expansão do suprimento, sob a vigilância das agências das Nações Unidas para garantir o fornecimento de países com sistemas de saúde mais fracos e capacidade de fabricação insuficiente.

Sem atender diretamente os pedidos de revogação de patentes feitas por organizações como a Associação de Assistência ao Paciente com Câncer, a Gilead comunicou: “estamos cientes das propostas dos fabricantes de licenciar sua propriedade intelectual sob vários acordos conjuntos. Consideraremos cuidadosamente se essas propostas beneficiariam a quantidade de suprimento ou a velocidade com que ela é disponibilizada quando entendermos os detalhes de tais propostas”.

Traduzido de The Hindu Business Line