Em ação apresentada ao INPI, grupos da sociedade civil argumentam que patente concedida para o medicamento Daclatasvir é inválida
Rio de Janeiro, 09/04/2019 – O Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual (GTPI) apresentou na sede do Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) um pedido de nulidade administrativa contra a concessão da patente para o medicamento Daclatasvir. O GTPI, grupo composto por organizações da sociedade civil, defende a ampliação do acesso ao tratamento e a sustentabilidade da política de acesso universal.
O Daklinza®, nome de marca do daclastavir, é um medicamento comercializado pela farmacêutica Bristol-Myers Squibb (BMS), dos Estados Unidos, indicado para pacientes adultos infectados com a Hepatite C e pacientes co-infectados com o vírus da Aids (HCV e HIV). A concessão da patente gera um monopólio que impede a entrada de versões genéricas no mercado, muito mais baratas. Em outubro de 2018, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) concedeu a patente PI0716483, referente ao daclatasvir.
Para o GTPI a concessão é imerecida. O principal argumento é que a patente não tem suficiência descritiva, ou seja, não tem o nível de detalhamento necessário para que a tecnologia ali descrita seja reproduzida por um técnico no assunto. Isso é fundamental para justificar a concessão da patente “Não é possível reproduzir a tecnologia presente na patente do daclatasvir com as informações que estão no documento da concessão emitida pelo INPI. A patente é ampla e vaga demais. O objeto da patente não está suficientemente descrito e, na prática, não sabemos exatamente o que está sendo retirado do domínio público”, afirma a farmacêutica e consultora do GTPI, Carolinne Scopel.
A importância da existência de versões genéricas do daclatastavir está na potencial redução do preço dos tratamentos existentes hoje. O preço pago pelo Brasil na última compra foi de US$ 1.730 por um tratamento completo de daclatasvir. No Egito, onde existem versões genéricas, o mesmo tratamento custa US$ 22,50. Mesmo em países onde não há genéricos a BMS cobra preços muito inferiores, como em Myanmar, onde o tratamento completo custa U$354. Aqui no Brasil, a empresa chegou a ofertar um significativo desconto para o Brasil em julho de 2018, baixando o preço do tratamento para US$ 630, mas depois de concedida a patente, voltou atrás e voltou a cobrar US$ 1.730.
O daclatasvir é utilizado em combinação com o medicamento sofosbuvir. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS) essa opção é comumente usada nos países de renda média e baixa, e em 2018, com base em diversas evidencias disponíveis, passou a ser considerado um regime pangenotípico, ou seja, que pode ser usado para todos os casos da doença. Entre 2015 e 2017, este foi o tratamento adquirido pelo SUS.
Em 2018, 15 mil tratamentos de sofosbuvir/daclatasvir foram adquiridos em caráter emergencial. Em 2019, no entanto, a opção mais barata foi a combinação sofosbuvir/velpatasvir, também pangenotipica. A descontinuidade da compra de sofosbuvir/daclatasvir esteve diretamente associada ao aumento de preço praticado pela empresa BMS.
Caso tivesse mantido a oferta de julho de 2018, a combinação sofosbuvir/daclatasvir teria sido adquirida por um preço mais baixo que a combinação sofosbuvir/velpatasvir, uma vez que para o sofosbuvir uma empresa genérica nacional entrou no mercado e participou dos pregões ofertando preços bastante inferiores ao do sofosbuvir de marca.
Atualmente, os cerca de 15 mil pacientes que estão recebendo tratamentos baseados em sofosbuvir/daclatasvir enfrentam dificuldades com a distribuição. A empresa BMS está realizando a entrega do produto em quatro remessas que ainda se prolongam até maio. Algumas dessas remessas contém produtos com prazos de validade bem próximos do vencimento.
“A empresa BMS dá claros sinais de que está cometendo abusos, respaldada por sua recém adquirida patente. Em 2018, praticou um aumento absurdo, que comprometeu o processo de redução de preço que estava em curso com a chegada do genérico do sofosbuvir.
Além de cobrar caro, fraciona a entrega causando ainda mais angustias para pacientes que estão há mais de um ano na fila de espera. Estamos apresentando a ação de nulidade para combater estes abusos e impedir que continuem se repetindo”, explica o coordenador do GTPI, Pedro Villardi.
Os pedidos de nulidade de patente podem ser realizados no prazo de seis meses após a concessão.
Com imagem de Verywell Health
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