A Conferência Internacional de AIDS é a principal arena de discussão sobre a epidemia, reunindo desde médicos até representantes de organizações sem fins lucrativos. Essa edição da Conferência, a AIDS 2024, em Munique, na Alemanha, foi marcada por protestos que destacam desafios reais e impopulares da luta contra a epidemia: o baixo financiamento para organizações que apoiam pessoas vivendo com HIV e AIDS e o monopólio patentário das farmacêuticas multinacionais.
Em todo o mundo, há 1,3 milhão de infecções por HIV a cada ano, com uma nova infecção a cada 24 segundos. Esse enorme desafio faz com que cada nova tecnologia farmacêutica gere tanto esperança quanto ansiedade entre os que mais precisam. No entanto, a existência de medicamentos inovadores não significa o fim da epidemia de HIV. O verdadeiro progresso está no acesso a esses medicamentos por um preço justo.
Considerado uma grande esperança contra o HIV, os resultados dos testes do lenacapavir como profilaxia pré-exposição (PrEP) demostraram 100% de eficácia entre mulheres adultas e adolescentes cisgêneros. No entanto, um estudo apresentado durante a AIDS 2024 mostrou que a produção do genérico do lenacapavir pode ser realizada a um preço mil vezes menor do que é cobrado atualmente ao ano. Estima-se que o custo da produção em massa do genérico do lenacapavir seja de US$ 100 por ano, com possíveis reduções para US$ 40 por ano conforme a demanda aumenta. Mas a Gilead está cobrando US$ 42.250 por ano nos EUA.
Discrepâncias como essas são frutos de patentes que põem em risco a vida de inúmeras pessoas, que, mesmo com a existência de medicamentos, não conseguem acesso ao tratamento adequado devido aos altos preços cobrados pelas farmacêuticas. Esse cenário levou o governo da Colômbia a emitir a primeira licença compulsória do dolutegravir no país, abrindo as portas para a fabricação de genéricos. Isso pode reduzir o preço do medicamento de US$ 102 por mês por pessoa para apenas US$ 3,70.
Essa decisão é imprescindível para garantir o acesso ao tratamento, além de representar uma economia significativa para o país, que poderá tratar até 27 pessoas com o valor utilizado para o tratamento de um único indivíduo. No entanto, a decisão do governo foi contestada judicialmente pelas empresas GSK e ViiV Healthcare, atuais detentoras da patente, com o apoio da associação farmacêutica colombiana AFIDRO. Os altos preços do dolutegravir no país são resultado de um monopólio patentário que duraria até 2026, caso a licença compulsória não tivesse sido emitida pelo governo.
A busca desenfreada por lucro em detrimento de vidas foi um dos temas centrais dos protestos realizados na AIDS 2024. O estande da Gilead foi tomado por ativistas, e o slogan “GSK/ViiV abandone o caso! Acesso ao DTG agora!” apareceu nos telões do evento com as cores da bandeira colombiana, em apoio à decisão do país. A Rede Latinoamericana por Acesso a Medicamentos (RedLAM) lançou uma campanha com coleta de assinaturas online, aplaudindo a decisão do governo colombiano e rejeitando a manobra das empresas. O protesto também foi divulgado por meio de um comunicado do ITPC.
A baixa participação da sociedade civil também gera preocupações e foi outro tema de protestos. Durante a plenária, ativistas vestiram jalecos brancos e exibiram cartazes com os dizeres “communities are experts” (Comunidades são especialistas), chamando a atenção para a sub-representação da comunidade em eventos e mesas de debate devido a negativas de vistos, falta de financiamento para organizações, dentre outros desafios, em detrimentos de pesquisadores e cientistas.
O protesto reforçou que a comunidade não deve ser apenas objeto de pesquisa, mas que possui um papel essencial no enfrentamento da epidemia e na defesa dos direitos das pessoas vivendo com HIV. Participantes de pesquisas, organizações da sociedade civil, e a comunidade como um todo são os verdadeiros experts.
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