Com quase um semestre de mandato, o governo de Jair Bolsonaro segue colecionando episódios que deixam marcada sua incapacidade de articulação e diálogo com o Congresso Nacional.

Em total descompasso com as prioridades do país, nos últimos 30 dias o presidente da República visitou o Congresso Nacional em duas oportunidades, a primeira para participar de sessão solene em homenagem ao humorista, Carlos Alberto de Nóbrega. Na semana seguinte, entregou o  Projeto de Lei que muda as regras da Carteira Nacional de Habilitação (CNH). Entre as mudanças do PL 3267/19, está o aumento de 20 para 40 pontos o limite para a perda da carteira de motorista.

A motivação pra uma pauta tão descontextualizada pode estar no levantamento do jornal Folha de São Paulo junto ao Detran-RJ, que apontou que a família do presidente acumula 44 multas em cinco anos. Sendo que só a esposa, Michelle Bolsonaro, e um dos três filhos, Flávio Bolsonaro, extrapolam o limite de pontos para um ano que determina a perda da habilitação (39 e 41 pontos respectivamente).

Reorganização do Executivo Federal

Nesse meio tempo estava em discussão, mas em vias de perder o efeito, a Medida Provisória (MPV) 870, que reorganizou o Executivo Federal. A proposição, que tem vigência imediata, estava sob risco de não ser votada no prazo determinado para ser ratificada pelo Congresso.

Foi neste clima de atropelo que a votação aconteceu, com a Comissão Especial composta de deputados e senadores impondo três grandes derrotas para o governo. A primeira foi a devolução do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) ao Ministério da Economia (ME). O órgão de inteligência financeira que atua em investigações de lavagem de dinheiro e crimes correlatos era um desejo de Sérgio Moro para a sua pasta, mas a decisão dos parlamentares pulverizou o prestígio do ministro da Justiça. Não há registros de nenhum país do muno onde um órgão estratégico como o Coaf esteja vinculado ao Ministério da Justiça (MJ).

O Coaf será transferido para o Ministério da Economia (ME), contrariando ainda os manifestantes que foram às ruas no dia 26 de maio em apoio ao presidente Jair Bolsonaro.

Outras grandes derrotas do governo foram: a devolução da competência de demarcação de terras indígenas para a FUNAI e sua estrutura completa no MJ, principal demanda dos indigenistas, e a alteração do artigo que previa o monitoramento das Organizações da Sociedade Civil, pela Secretaria de Governo.

De olho no grande risco da perda da vigência, o presidente Jair Bolsonaro chegou a enviar uma carta co-assinada por ministros ao presidente do Senado Federal, Davi Alcolumbre (DEM/AP), solicitando a aprovação da matéria nos termos em que foi aprovada pela Câmara (com o Coaf no ME), para garantir a votação dentro do prazo. O ministros da Justiça e da Segurança Pública, Sergio Moro; da Economia, Paulo Guedes; e da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, assinaram a carta. 

A tramitação da MPV 870 foi encerrada no dia 28/05, com a aprovação do Projeto de Lei de Conversão (PLV) 10/2019 e envio da matéria à sanção presidencial.

Moro entra em espiral de desgaste

No último dia 9, o site The Intercept Brasil iniciou a publicação de uma série de reportagens com vazamentos de conversas (chat) entre o atual ministro da Justiça e da Segurança Publica, Sérgio Moro, à época juiz responsável pela Operação Lava-Jato, e o procurador Deltran Dallagnol. A revelação da articulação tras à tona comportamentos antiéticos, transgressões e grave violação de leis, princípios constitucionais e princípios básicos do Direito, como a isenção e independência do Juíz.

Líderes políticos, parlamentares já pedem a renúncia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) o afastamento de Moro do cargo, enquanto o Intercept Brasil anunciou que publicará novas revelações a partir de mensagens privadas, gravações em áudio, vídeos, fotos, documentos judiciais e outros itens enviados por uma fonte anônima. Nota assinada por mais de 500 juristas também pede o afastamento de Moro do MJ.

Enquanto juiz responsável pela Operação Lava-Jato, Moro prendeu e tirou Lula – que liderava com folga as intenções de voto – da disputa presidencial. Mesmo com Lula preso, as mensagens do conluio entre juíz e procurador apontam uma atuação deliberada para influenciar o resultado da eleição de 2018 pela derrota do candidato do Partido dos Trabalhadores (PT), Fernando Haddad, e em prol do candidato Jair Bolsonaro (PSL). Agora, não só o ministro, mas toda a chamada Operação Lava-Jato está sob suspeita.

Desmonte da política de enfrentamento às IST, Aids e Hepatites Virais

No dia 17 de maio o Governo Federal publicou o Decreto n º 9.795, que alterou a estrutura do Ministério da Saúde (MS), extinguindo o Departamento de IST (Infecções Sexualmente Transmissíveis), Aids e Hepatites Virais, alocando suas competências no Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis, tornando a agenda mais ampla e genérica.

Essa movimentação gerará grave esvaziamento da política de enfrentamento à Aids. Procuradas por organizações da sociedade civil preocupadas com a medida, as deputadas Érika Kokay (PT/DF), Maria do Rosário (PT/RS) e o deputado Túlio Gadelha (PDT/PE), apresentaram Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 346/2019, que susta os efeitos do decreto presidencial.

O PDL apresentado precisa ser aprovado pela Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF), na sequência será analisado também pela Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJC) e pelo Plenário da Câmara dos Deputados. Após a deliberação da Câmara, a matéria será votada no Senado Federal.

Pesquisas Clínicas no Brasil

Está em discussão no Congresso Nacional, desde 2015, projeto de lei que regulamenta os “princípios, diretrizes e regras para a condução de pesquisas clínicas com seres humanos”.

O PL 7082/17, que já foi aprovado pelo Senado Federal e agora aguarda deliberação da Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF) da Câmara dos Deputados, foi alterado ao longo de sua tramitação, graças à atuação do Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual (GTPI) e parceiros, mas ainda há pontos de grande divergência entre os movimentos que atuam pela proteção dos participantes de pesquisa e a indústria: a limitação do uso do placebo; o fornecimento do medicamento pós-ensaio clínico; a estrutura da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), a participação de usuários nos Comitês de Ética em Pesquisa (CEP) e a proteção ao anonimato e dos dados pessoais dos participantes.

Com forte presença da indústria na CSSF, após apresentação de requerimento de audiência pública pelo deputado Pompeo de Mattos (PDT/RS), o relator da matéria na comissão, deputado Hiran Gonçalves (PP/RR), propôs a realização de mesa técnica, com menor possibilidade de participação popular e transparência. A reunião foi realizada no dia 28 de maio e contou com a presença da Interfarma, da Aliança Para Pesquisa Clínica, além da representante do Fórum ONG/Aids do Rio Grande do Sul, Márcia Leão, indicada pelo GTPI.

Pela atenção aos pacientes, a deputada Jandira Feghali (PCdoB/RJ) e o deputado Jorge Solla (PT/BA), assim como a deputada Fernanda Melchionna (PSOL/RS), apresentaram votos em separado, o primeiro com substitutivo e o segundo pela rejeição da proposição.

O GTPI segue dialogando com parlamentares sobre a importância da proteção dos direitos de participantes de pesquisa clínica e de uma governança democrática sobre as regras de ética em pesquisa.

12 de junho de 2019

Andresa Porto – Cientista Política e colaboradora do GTPI

Yusseff Abrahim – Jornalista do GTPI

Com imagem de José Cruz/Agência Brasil