Retomamos a nossa série De Olho em Brasília em um cenário muito diferente do que vivíamos quando demos início, 18 meses atrás. Não que seja preciso repetir o óbvio, mas vale ressaltar que o país atravessa uma das maiores crises sanitárias da sua história, que é agravada por importante crise fiscal e política.
Diante da velocidade dos acontecimentos na Capital, a partir de agora nosso “encontro” aqui terá uma frequência um pouco maior, contaremos com notas quinzenais que atualizarão vocês sobre, não apenas o cenário político, mas também as discussões acerca da política de acesso a medicamentos.
Agenda da Esplanada dos Ministérios
Com a proximidade das eleições municipais, a agenda do Congresso Nacional está encurtada, com recesso branco que garante períodos sem atividade legislativa, quando os parlamentares voltam as atenções para as disputas eleitorais nas suas bases.
Em tempos “normais”, os dias em que há Ordem do Dia seriam agitados, nessas oportunidades os deputados e senadores tentariam votar o maior número possível de proposições, aproveitando assim as poucas sessões deliberativas. Contudo, 2020 definitivamente não é um ano normal.
Enquanto os olhos de todo o mundo estão voltados para a pandemia que acomete toda a população, e empenhados em buscar uma solução, o jogo do poder na Esplanada dos Ministérios se acirra ainda mais.
Diferente dos anos anteriores, estamos entrando no mês de novembro sem a instalação da Comissão Mista do Orçamento (CMO). Importante espaço de debate e articulação para construção do orçamento a ser executado no próximo ano.
O impasse sobre a condução da comissão está inviabilizando não apenas a sua instalação e votação do PLN* 28/2020, mas as demais discussões no plenário da Câmara dos Deputados, onde líderes de diversas bancadas têm apresentado obstruções, impedindo a deliberação de matérias, entre elas projetos de autoria do Governo Federal e Medidas Provisórias.
Também no meio desse cabo de guerra de poder estão duas figuras importantíssimas, deputado Rodrigo Maia (DEM/RJ) e senador Davi Alcolumbre (DEM/AC) (ainda) presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Com a proximidade da terceira sessão legislativa da legislatura 2019/2022, agitam-se os ânimos sobre da disputa pela sucessão das presidências das Casas Legislativas. Cadeiras que contam, entre outras coisas, com poder de agenda, que aliadas aos líderes dos partidos definem o que será ou não pautado.
Sem a instalação das comissões da Câmara dos Deputados e com a paralisação das comissões do Senado, em virtude da pandemia, a agenda legislativa segue concentrada nas deliberações dos Plenários.
E como nada acontece por acaso, ventila-se nos corredores (virtuais ou não) do Congresso a possibilidade da retomada da atividade das comissões, num formato híbrido que também poderia ser utilizado no pós-pandemia, para que algumas delas se reúnam e deliberem sobre matérias e realizarem debates online e presenciais. Essa movimentação seria parte de um acordo para o funcionamento da CMO, aquela que falamos ali em cima.
No tabuleiro ainda estão as reformas tributária e administrativa, e até mesmo ministerial, além da possibilidade de suspensão do recesso parlamentar (previsto constitucionalmente para 23/12 a 01/02). Mas esses tópicos ficam para um próximo “encontro”.
Por fim, aqui, não investiremos tempo falando sobre o decreto do Governo Federal que incluiu a política de fomento à atenção primária do SUS no programa de concessões e privatizações. A medida não se sustentou nem por um dia, sendo retirada pela Presidência em edição extra do Diário Oficial.
Acesso
Em meio a enxurrada de Medidas Provisórias editadas pela Presidência da República, que marca 2020 como o ano em que mais MPs foram publicadas desde que começaram a ser contadas, uma delas merece ainda mais destaque, a MP 1.003/2020.
Essa MP “autoriza o Poder Executivo federal a aderir ao Instrumento de Acesso Global de Vacinas Covid-19 – Covax Facility”, que na prática torna o Brasil parte da aliança coordenada pela OMS, garantindo a possibilidade (não obrigatoriedade) de compra de ao menos nove vacinas em desenvolvimento.
A partir da edição dessa MP, o GTPI articulou com o ex-ministro da Saúde, deputado Alexandre Padilha (PT/SP), a apresentação de emenda que demanda transparência no processo de escolha das empresas que serão beneficiadas pelos aportes dos países, além de garantir dessas empresas a “transferência de tecnologia de forma aberta e ampla”, como diz a justificação da emenda. Em linhas gerais, a proposta visa garantir a sustentabilidade do SUS na compra e possibilidade de oferta de vacinas para toda a população, benefício este que também contribuirá para o acesso de outros países.
Em virtude da pandemia, a MP será deliberada diretamente pelo Plenário da Câmara dos Deputados, não sendo necessária oitiva de Comissão Mista. Para que o texto da emenda seja válido, o mesmo precisa ser incorporado à MP pelo relator da matéria (ainda não designado), e aprovado nas duas casas legislativas.
Conforme previsão constitucional, a Medida Provisória tem de ser deliberada pelo Congresso Nacional em até 120 dias, a contar da sua apresentação (24/09/2020), do contrário, a proposição perde a vigência.
*Projeto de Lei do Congresso Nacional
Brasília, 30 de Outubro Rosa de 2020
Andresa Porto – Cientista Política e colaboradora do Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual (GTPI).
Com imagem de Yusseff Abrahim
O Outubro Rosa é uma campanha global de alerta e conscientização da sociedade sobre o diagnóstico precoce do câncer de mama.
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