As Forças Armadas brasileiras, em editais e concursos de promoção, discriminam e excluem pessoas vivendo com HIV nos processos de admissão em diferentes carreiras, seja na Marinha, na Aeronáutica ou no Exército. Os exames obrigatórios de HIV, previstos nos editais, em que se considera o candidato soropositivo como “incapaz para o fim a que se destina”. têm como único fundamento o preconceito e a discriminação. Não há fundamento moral e/ou científico que justifique a exclusão desses candidatos.
A discriminação de pessoas vivendo com HIV pelas Forças Armadas tem sido levado aos Tribunais. Há centenas de casos tratando deste assunto, mas as decisões são divergentes em casos iguais. O Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual (GTPI), coordenado pela Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (ABIA), atuou como amicus curiae em um processo envolvendo ato administrativo discriminatório da aeronáutica, que impede toda e qualquer pessoa que vive com o vírus HIV de alcançar um cargo público na Força Aérea Brasileira por considerar “inapto” e “incapaz”.
O que motivou a exclusão da pessoa vivendo com HIV do serviço militar foi o ICA 160-6/2016, Portaria DIRSA nº 8/SECSDTEC, de 27 de janeiro de 2016, que trata das Inspeções de Saúde na Aeronáutica e prevê em seu art. 16.2.2 que “Os inspecionados com exames Anti-HIV positivo serão julgados ‘INCAPAZ PARA O FIM A QUE SE DESTINA’ nas Inspeções de Saúde iniciais.”
A pessoa obteve do judiciário a tutela provisória para se manter no cargo, mas foi impedida de ser promovida por “persistência da patologia de ingresso”. Este ato administrativo é imoral, desrespeitoso, perverso e pune toda pessoa que convive e conviverá com o vírus HIV. Trata-se de conduta flagrantemente discriminatória e inconstitucional, sem respaldo legal ou científico. A realização obrigatória de sorologia para o HIV, além de invadir a privacidade, ainda estimula a sensação de perseguição pela sociedade, e faz com que essa pessoa se sinta inferiorizada perante os demais, deixando-a mais vulnerável à sociedade. A pessoa vivendo com HIV tem o direito de manter em sigilo a sua condição sorológica no ambiente de trabalho.
Tal conduta reforça o estigma e a exclusão social das pessoas que convivem com o HIV. Viver com o vírus HIV não é uma condição incapacitante. Sabe-se que, com o acesso aos medicamentos, é possível viver bem e de forma saudável.
Ainda que não exista a cura, o atual tratamento terapêutico e a sua adesão garante a qualidade de vida para todas as pessoas que vivem com HIV. A normativa da aeronáutica apenas reforça o estigma e o medo que essas pessoas carregam, além de contribuir com uma política de exclusão social dos soropositivos.
Não se pode aceitar que atitudes discriminatórias ainda sejam praticadas em nosso país. O Estado tem que assegurar medidas que inibam e coíbam tais atos de discriminação e não defendê-los. Ser pessoa convivendo com HIV não pode ser visto como motivo de incapacidade em qualquer âmbito do serviço público nacional, assim como não pode o serviço militar configurar uma exceção.
Entretanto, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) foi conivente com o ato discriminatório e em acórdão recente defendeu que “A Administração, dentro da discricionariedade que lhe atribui a lei, deve definir regras e critérios de julgamento do concurso, de forma a melhor atingir o interesse público. É necessário, ainda, que o certame respeite o princípio da vinculação ao instrumento convocatório. Não cabe ao Poder Judiciário interferir nos critérios de conveniência e oportunidade adotados pela Administração na elaboração do concurso público e na definição dos requisitos necessários para o preenchimento de seus cargos, podendo, entretanto, haver controle jurisdicional quanto à observância dos princípios, valores e regras legais e constitucionais”. Concluindo que “Restou configurada a doença incapacitante prevista no edital do certame, e não cabe ao Poder Judiciário se sobrepor aos critérios e julgamentos previstos pela Administração Pública na elaboração do certame, salvo em caso de grave ilegalidade ou inconstitucionalidade o que não é o caso dos autos”.
Neste Dia Mundial de Luta contra a AIDS, é preciso defender os direitos humanos das pessoas vivendo com HIV e isto implica na desconstrução do estigma relacionado ao vírus e à doença, a defesa da dignidade e a necessária reintegração social. O estigma, conforme aponta Richard Parker, presidente da ABIA, tem uma história longa e difícil, e ainda hoje, mesmo com os antirretrovirais e a terapia combinada, constitui a coisa mais difícil de se enfrentar com a Aids: “o estigma continua querendo transformar as pessoas com HIV em um exemplo de morte civil”.
É forçoso mudar a compreensão de que um corpo com HIV está fadado à debilitação e à morte!
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