Em referência ao Dia Internacional da Mulher (8M) e no intuito de somar às lutas de mulheres de todo mundo pelo direito à saúde, as mulheres do GTPI escolheram impulsionar a campanha Tobeka Daki, pelo acesso ao medicamento trastuzumab, indicado para o tratamento de câncer de mama e produzido pela empresa farmacêutica suíça Roche.
A campanha leva o nome da ativista sul africana Tobeka Daki, uma mãe do município de Mdantsane, na África do Sul, que foi diagnosticada com câncer de mama HER2+, em 2013. Seguindo seu diagnóstico, Tobeka foi informada de que ela precisava de trastuzumab, além de uma mastectomia e quimioterapia, para melhorar suas chances de sobrevivência. Apesar de ser uma boa candidata para o tratamento, Tobeka nunca foi capaz de acessar trastuzumab devido ao seu alto custo.
Seu câncer sofreu metástase e em 14 de novembro de 2016 ela morreu em sua casa. Ela não conseguiu acessar esse tratamento devido ao preço exorbitante cobrado pela farmacêutica Roche. Apesar de declínio da sua saúde, Tobeka lutou incansavelmente para promover o acesso aos cuidados de saúde para todas as mulheres durante 2016.
Desde então, mulheres que vivem com câncer lideraram diversas iniciativas contra a ganância da Roche, denunciando as táticas imorais e inescrupulosas empregadas pela empresa ao redor do planeta. Nos juntamos a elas e demandamos o acesso irrestrito ao trastuzumab!
Medicamentos para o tratamento de câncer de mama
A Roche lançou no mercado dois importantes medicamentos para o tratamento de câncer de mama. O primeiro é o trastuzumab, recomendado pela Organização Mundial de Saúde como um medicamento essencial para o tratamento do câncer de mama tipo HER2+. Ensaios clínicos demonstraram que o uso do trastuzumab, além de quimioterapia, melhorou a sobrevivência de mulheres com câncer de mama inicial ou localmente avançado em 37%.
O segundo é o trastuzumab emtansine, conhecido como T-DM1, também, recomendado para o tratamento de câncer de mama tipo HER2+. Ele combina trastuzumab com outro medicamento, resultando em uma melhor orientação das células cancerosas, proporcionando às mulheres que podem acessá-lo meses ou, muitas vezes, anos de vida extras com poucos efeitos colaterais.
Patentes põem vidas de mulheres em risco
Esses dois medicamentos estão atualmente sob monopólio em muitos países, o que permite a Roche vender esse medicamento sem concorrência. Isso permite a empresa cobrar preços exorbitantes por esses medicamentos essenciais. Em muitos países, o preço é tão alto que os governos não possuem recursos para comprá-lo. As mulheres pagam o preço com suas vidas.
A Roche não poupa esforços para mantér o preço desses medicamentos em níveis inacessíveis e para ter e defender suas várias patentes indevidas sobre o trastuzumabe em diversos países ao redor do mundo. Naqueles onde as patentes expiraram ou não existem, a Roche se utiliza de diversas estratégias jurídicas para bloquear versões biossimilares potencialmente mais acessíveis que chegam ao mercado.
Há estudos que mostram que o trastuzumabe pode ser produzido e vendido por apenas US$ 240 (cerca de R$ 780), preço que incluiria uma margem de lucro de 50% sobre os custos de produção. Porém essa não é a realidade da maioria dos países.
África do Sul
Várias patentes estendem o monopólio da Roche até 2033, na África do Sul. Por isso, o preço anual cobrado pela Roche no setor privado é de US$ 38.365 (R$ 124.7 mil). A poucas instalações públicas que podem oferecer o trastuzumab o compram por um preço menos de US$ 15.735 (R$ 51.1 mil) por ano.
Reino Unido
O preço de lista do T-DM1 no Reino Unido é de £ 90.000 (R$ 404.5 mil) por paciente/ano e, embora a Roche tenha oferecido um desconto confidencial, o Instituto Nacional de Saúde e Excelência Clínica do Reino Unido (NICE), órgão local responsável pelos medicamentos, decidiu que o valor ainda estava alto em uma decisão preliminar em dezembro de 2016. As negociações seguiram até que o NICE concordou com um valor não divulgado.
Índia
A Roche tem envolvido o órgão regulador de medicamentos e os produtores de biossimilares da Índia em um contencioso longo e cada vez mais complexo para evitar a ampla disponibilidade de versões potencialmente acessíveis de trastuzumab. Sendo o único fornecedor do país, a empresa cobra do setor público US$ 30.595.76 (R$ 99.4 mil) pelo medicamento.
Brasil
A Roche é uma das empresas farmacêuticas que estão processando o governo brasileiro pelas tentativas do uso de salvaguardas para proteger a saúde pública prevista no direito internacional. No país, o preço do trastuzumab é de US$ 17.562 (R$ 57 mil).
Brasil e Argentina: Roche ameaça saúde pública
Os maiores países da América do Sul assumiram o desafio de manter sistemas de saúde pública universal, incluindo a distribuição gratuita de medicamentos essenciais para todos. Muitas vidas dependem dessas políticas públicas de saúde.
Como os aumentos dramáticos sobre o preço dos novos medicamentos estão ligados à maneira que patentes farmacêuticas são examinadas e concedidas, Brasil e Argentina criaram normas e procedimentos rigorosos para o exame de patentes no setor farmacêutico e bloquearam com sucesso várias patentes imerecidas, garantindo a concorrência dos genéricos e reduções de preços.
A Roche é membro da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa no Brasil (INTERFARMA) e da Câmara Argentina de Especialidades Medicinais na Argentina (CAEME). Em 2014 e 2015, essas associações foram ao tribunal processar os governos nacionais para adotar medidas pró-saúde pública nas leis de propriedade intelectual dos dois países.
Enquanto na Argentina a empresa desafia as diretrizes nacionais de exame de patentes, no Brasil segue desafiando a participação das autoridades de saúde na análise de pedidos de patentes farmacêuticas, a chamada licença prévia da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), mecanismos que existem para evitar a concessão de patentes sem merecimento.
Inviabilidade para o sistema público de saúde
Em 2016, o Ministério Público Federal do Distrito Federal (MPF/DF) acusou a Roche de vender o tratuzumab sob preço abusivo e reivindicou a devolução de R$ 107 milhões de aos cofres públicos. O abuso aconteceu nos casos em que o produto foi adquirido por secretarias estaduais de saúde com o propósito de cumprir determinações judiciais.
As investigações revelaram que, nessas ocasiões, a Roche cobrou até 300% a mais. A consequência é que uma única dose do medicamento podia custar até R$ 9,5 mil reais ao SUS.
Os casos se referiam à utilização do trastuzumab para pacientes com câncer de mama, mas apenas para tratamento adjuvante, ou seja, para evitar a metástase. Foi em agosto de 2017 que o medicamento foi finalmente disponibilizado no SUS também para pacientes que já apresentam metástase.
O atraso de 17 anos, tendo em vista que o trastuzumab está disponível na rede privada desde 1999, foi devido a recusa do governo de incorporar um medicamento de custo tão alto, podendo a chegar a mais de R$ 60 mil para a terapia completa de uma paciente. A única forma em que os pacientes da rede pública poderiam ter acesso ao tratamento era através da Pesquisa Clínica ou judicialização.
Com imagens de TAC e Global Health Check
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