As experiências na luta da sociedade civil pelo acesso a medicamentos na Argentina, Peru, Colômbia e Brasil foram apresentadas na mesa com o tema Interesse Público e Acesso a Medicamentos, na última quinta-feira (10), no Fórum Acesso a Medicamentos – Propriedade Intelectual e Bioética, realizado em Bogotá, na Colômbia.

O coordenador de projetos da ABIA, Pedro Villardi, falou do caso brasileiro destacando como a luta contra os monopólios de grandes farmacêuticas no Brasil contrasta com as leis e políticas públicas avançadas que o país possui e a importância estratégica da produção local de medicamentos.

“Ao mesmo tempo que o estado afirma que vai garantir acesso universal aos medicamentos, os medicamentos protegidos por patentes saltaram de dois, em 1999, para 11 em 2017”, comentou.

Para Villardi, enquanto país em desenvolvimento, o Brasil tem uma posição política de destaque por ter mais de 200 milhões de habitantes e se propor ao desafio de ter um sistema público integrado e gratuito em todos os níveis de atenção, o que consagra o SUS como o maior sistema público de saúde do mundo, porém, todo o aparato legal da proposta sofre constantes investidas do setor privado, provocando entraves para a sua consolidação.

A Licença Obrigatória, dispositivo legal que autoriza a fabricação e comercialização de um medicamento sem o consentimento do titular da patente e sem nenhum tipo de pagamento, apesar de comumente criticada pelo setor privado como “roubo” ou “apropriação indevida”, é um mecanismo legal legítimo, previsto na legislação nacional e internacional.

“A mera existência da Licença Obrigatória tem efeito positivo na negociação dos preços de remédios entre governo e grandes laboratórios detentores de patentes nas década de 2000, isso aumenta a capacidade do estado de oferecer medicamentos”, explicou Villardi.

Exemplo da luta no Brasil

Entre as experiências da sociedade civil brasileira contra monopólios, Villardi apresentou o caso do antirretroviral Efavirenz, utilizado por 38% das pessoas em tratamento no país em 2007, que teve Licença Obrigatória expedida após a farmacêutica Merck, dos Estados Unidos, se recusar a baixar os preços em 30% com base nos preços pagos pelo governo tailandês. A ação impactou em várias negociações seguintes e, especificamente sobre o Efavirenz, a compra de genéricos da Índia e de laboratórios brasileiros representou um economia de US$ 100 milhões para o governo.

“Foi um demonstração importante de que o estado brasileiro estava disposto a colocar o direito das pessoas na frente dos interesses das grandes farmacêuticas”. afirmou Villardi.

Dois anos antes porém, a primeira investida da sociedade civil brasileira sobre o Kaletra não resultou em sucesso. O medicamento do laboratório Abbott, também dos Estados Unidos, consumia a grossa fatia de 30% de todo o orçamento do SUS destinado à compra de antirretrovirais e, após a declaração de Interesse Público, processo prévio à emissão da Licença Obrigatória, o governo brasileiro fechou um acordo com a Abbott que baixava o valor do medicamento em 30%, ao mesmo tempo que condicionava a sua compra por 10 anos, assegurando um monopólio e comprometendo ainda o Brasil a não emitir de Licença Obrigatória. Em 2017, com o fim da patente e o silêncio da justiça do Brasil, o monopólio segue.

Licença Voluntária

Em vez de negociar preços ou emitir a Licença Obrigatória, o governo brasileiro atualmente opta por negociar a transferência de tecnologia. A ideia que, em princípio parece vantajosa, na prática não se converteu em uma economia significativa no caso do medicamento Atazanavir, da Bristol-Myers Squibb (BMS) dos Estados Unidos, ao comparar o impacto orçamentário de sua Licença Voluntária com os valores da Licença Compulsória do Efavirenz.

Enquanto a Licença Compulsória do Efavirenz gerou em quatro anos (2007 a 2011) uma economia de US$ 104 milhões de dólares, a Licença Voluntária do Atazanavir em cinco anos (2011 a 2016) se converteu em uma redução de apenas US$ 17 milhões (valor estimado pela Abia/GTPI). Quanto ao valor pago pelo medicamento antes da licença, o preço do Efavirenz despencou 58%, enquanto o Atazanavir teve baixa de apenas 6%.

Após a licença obrigatória, o governo ficou desobrigado de comprar com a Merck (Efavirenz), enquanto a Licença Voluntária condicionou o Brasil à compra do titular da patente por cinco anos após o registro do genérico nacional, sendo 100% nos três primeiros anos e 50% no quarto e quinto ano. Sobre os royalties, foram pagos 1,5% com a Licença Compulsória pelo governo e 4,5% com a Licença Voluntária, além dos royalties pagos por laboratórios privados.

Oposições de Patentes

As Oposições de Patentes são um mecanismo legal que permite a qualquer pessoa desenvolver argumentos técnicos e enviar para escritórios de patentes. Em 2011, a patente do Tenofovir foi negada após oposição elaborada pela Abia/GTPI em 2006, bem como a patente Lopinavir/Ritonavir. Porém, as farmacêuticas se utilizam de uma estratégia jurídica que inviabiliza a fabricação de genéricos com a entrada de pedidos de patentes em série.

“As empresas bloqueiam completamente a competição dos genéricos. No Brasil o Lopinavir/Ritonavir tem 16 pedidos de patentes, Darunavir onze. Isso provoca um caos jurídico sob o qual os laboratórios não têm segurança de que o medicamento está realmente em domínio público”, enfatiza.

Acesse o conteúdo completo da mesa Interesse Público e Acesso a Medicamentos com as experiências na Argentina, Peru, Colômbia e Brasil. A apresentação do coordenador de projetos da Abia, Pedro Villardi, está entre os minutos 52’07” e 1:14’37”

Expositores:

A Experiência no Peru: Javier Llamoza (AIS-Peru)

A Experiência na Colômbia: Luz Marina Umbasia (IFarma)

A Experiência no Brasil: Pedro Villardi (Abia)

A Experiência na Argentina: Lorena Di Giano (Fundación GEP)