O privilégio da patente garante ao inventor o monopólio temporário de exploração econômica da invenção sobre a invenção. Uma vantagem concorrencial que impede terceiros “não autorizados” a explorar o invento. A ausência da concorrência possibilita a definição de preços sem a pressão de competidores. Quando há a exploração econômica desautorizada por terceiros, os titulares têm o direito de obter indenização. Isso se dá porque é garantido ao inventor a vigência do direito de monopólio a partir da data de depósito do pedido, ainda que após a análise o escritório de patentes verifique que o pedido não cumpriu com os requisitos e negue a concessão da carta patente. 

A LPI, bem como o Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS, sigla em inglês), garante um prazo de 20 anos de duração da vantagem concorrencial, a contar da data do depósito do pedido de patente. “Art. 40. A patente de invenção vigorará pelo prazo de 20 (vinte) anos e a de modelo de utilidade pelo prazo de 15 (quinze) anos contados da data de depósito.” O revogado parágrafo único deste artigo previa a extensão do prazo automática não inferior a 10 anos contados a partir da data da sua concessão pelo INPI, o que permitia a titularidade da propriedade por mais de 20 anos. 

O STF extinguiu esse dispositivo, declarando-o inconstitucional. O Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual, coordenado pela ABIA, atuou ativamente como Amicus Curiae do processo desde 2016. Os estudos levados aos autos pelo GTPI, como o estudo realizado pelo Instituto de Economia da UFRJ “Extensão das patentes e custos para o SUS”; o estudo da Fiocruz “Medicamentos em Situação de Exclusividade Financiados pelo Ministério da Saúde: análise da situação patentária e das compras públicas” e o estudo do Grupo de Direito e Pobreza (GDP) da USP “A inconstitucionalidade do Art. 40, parágrafo único, da Lei de Propriedade Industrial sob uma perspectiva comparada” subsidiaram os Ministros e Ministras do STF e demonstraram o grave prejuízo à saúde pública, ao interesse social e ao desenvolvimento tecnológico e econômico do país. 

A decisão do STF entendeu que a norma inconstitucional prejudicava a coletividade em favor de interesses particulares. Esta decisão, fundamental para a construção de um sistema de inovação mais justo, tomada em meio a grave crise sanitária e econômica, foi uma importante vitória para o SUS, para o direito à saúde e para toda a população brasileira. Entretanto, após a declaração de inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 40 da Lei 9.279/1996, na ADI 5529 inúmeras ações buscam repristinar o parágrafo único do art. 40 da LPI, mitigar a eficácia e burlar a decisão proferida pelo STF. 

As ações empreendidas por transnacionais farmacêuticas, inconformadas com a decisão, buscam a aplicação analógica de um instituto alienígena (inexistente no ordenamento jurídico nacional), o Patent Term Adjustment (PTA), por danos inexistentes causados durante o prazo de vigência regular da patente de invenção. Como dito anteriormente, a proteção patentária transcorre durante os 20 anos, contados do depósito, sendo garantido o direito à indenização (Art. 44, §1º, da LPI), independentemente da demora ocorrida no processo administrativo. As autoras requerem como compensação a demora do INPI na forma de extensão do prazo de patente. São inúmeras ações coordenadas pela indústria farmacêutica transnacional, com claro abuso de direito para criar uma jurisprudência que viola o que foi decidido pelo STF.

Não há prejuízo que legitime as ações, uma vez que o atraso na condução dos exames pelo INPI não reduz o prazo de vigência da patente, não impede a comercialização da invenção e a própria LPI oferece um mecanismo de compensação de eventuais prejuízos caso terceiros explorem a invenção. A garantia de vigência do direito de monopólio contado a partir da data do depósito permite também que patentes imerecidas, que não forem concedidas, gozem do privilégio.

A Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), a Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA), a Associação de Gays e Amigos de Nova Iguaçu, Mesquita e Rio de Janeiro (AGANIM-RJ), a Conectas Direitos Humanos, a Federação Nacional dos Farmacêuticos (Fenafar), o Fórum Maranhense das Respostas Comunitárias de Lutas ao Combate às IST, HIV, Aids e HV, o Fórum ONG AIDS RS, o Grupo de Apoio à Prevenção da Aids da Bahia (Gapa/BA), o Grupo de Apoio à Prevenção da Aids no Rio Grande do Sul (Gapa/RS), o Grupo de Incentivo à Vida (GIV), o Grupo de Resistência Asa Branca (GRAB), o Grupo pela Vidda Rio de Janeiro (GPV/RJ), o Grupo pela Vidda São Paulo (GPV/SP), o Grupo Solidariedade é Vida, a Internacional de Serviços Públicos (ISP), Médicos Sem Fronteiras (MSF), a Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/AIDS no Maranhão (RNP+MA), a Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/AIDS núcleo Pernambuco (RNP+PE) e a Universidades Aliadas por Medicamentos Essenciais (UAEM) – todas organizações integrantes do GTPI – encaminharam consulta ao Ministro Aposentado do STF Eros Grau sobre a legitimidade das ações.

No parecer pro bono, o Ministro Eros Roberto Grau apresenta elementos fundamentais e defende que “a tese de que só haveria a possibilidade de fruição do direito de patente depois de sua concessão pelo INPI é impossível, contrariando o texto e a sistemática legal”; a mora do INPI “não gera prejuízo ao titular da patente pois a fruição do direito exclusivo é assegurada retroativa e prospectivamente”; a extensão do prazo de vigência da patente é inconstitucional e “afronta o quanto dispõe o § 6º, do artigo 37 da Constituição do Brasil”; trata-se de “ litigância de má-fé”.

O Ministro Eros Grau demonstra também a existência de três abusos cometidos pelas transnacionais farmacêuticas que buscam a extensão do prazo de vigência das patentes por meio do judiciário: “abuso de direito de patente”, “abuso de direito de petição” e “abuso do sistema de patente”.

Leia aqui o parecer na íntegra.