Em julho de 2022, o Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual (GTPI), representado pela Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA), foi aceito para participar dos Diálogos Técnicos instituídos pelo Grupo Interministerial de Propriedade Intelectual (GIPI) e coordenados pelo Ministério da Economia. Na ocasião, como uma das poucas entidades voltadas à defesa do interesse público neste tema, o GTPI se voluntariou para participar de 5 grupos de discussão (“Patentes 1”; “Patentes 2”; “Patentes 3”; “Patentes 4”; e “Outras disposições da Lei da Propriedade Industrial”).
O GTPI congrega diversas organizações da sociedade civil, movimentos sociais e especialistas ligados ao tema da propriedade intelectual e acesso a medicamentos sob uma perspectiva do interesse público para mitigar o impacto das patentes na concretização do direito fundamental à saúde. O sistema de propriedade intelectual não existe para atender apenas os solicitantes de patentes, mas também consumidores e beneficiários de políticas públicas, por meio da preservação e expansão do conhecimento em domínio público. Sob essa perspectiva, o GTPI busca incidir em espaços institucionais, como o GIPI, para garantir uma maior representatividade dentro do universo da propriedade intelectual, a qual não pode estar restrita a interesses econômicos, uma vez que tem o potencial de impactar diretamente a saúde pública e direitos fundamentais do povo brasileiro.
Desde o início, a intenção do GTPI foi contribuir seriamente para as discussões de cada grupo e elaborar propostas técnicas bem fundamentadas para os temas em debate. Para isso, participamos intensamente das reuniões, oferecemos subsídios técnicos e ouvimos, com atenção, as opiniões divergentes de todos os participantes.
Com o desenvolvimento das atividades, no entanto, ficou evidente que, diferentemente do que fora anunciado, o espaço promovido pelo Ministério da Economia não era verdadeiramente democrático e não buscava encontrar soluções técnicas para problemas reais do arcabouço normativo da propriedade intelectual no Brasil. Apresentando um viés explícito em favor de interesses transnacionais, os Diálogos passaram a ser cada vez menos técnicos e as discussões foram sendo arbitrariamente direcionadas para resultados previamente definidos.
No final das contas, ficou claro que, com essas reuniões, o objetivo do Ministério da Economia era utilizar a participação da sociedade civil organizada e de outros atores para legitimar e promover uma das piores reformas do sistema nacional de propriedade intelectual — a qual tem o potencial de trazer consequências extremamente negativas para a concretização do direito à saúde e de outros direitos fundamentais.
Entre as medidas mais nocivas para o interesse público, por exemplo, foi dada máxima prioridade para a proposta de confrontar a autoridade do Supremo Tribunal Federal (STF) e ressuscitar a extensão do prazo de vigência das patentes no Brasil, que foi corretamente declarada inconstitucional em 2021. Com prazos mais extensos, medicamentos ficam com preços altos por mais tempo, dificultando assim a oferta de tratamentos no SUS.
Também está avançando dentro do GIPI a pressão de empresas estrangeiras pela liberação do patenteamento de microorganismos e partes de seres vivos, como células, embriões, genes e extratos, que hoje é proibido no Brasil. A ampliação do escopo de patenteabilidade inclui também a possibilidade de patentear combinações, dosagens e
métodos terapêuticos. Destaca-se que método terapêutico, métodos cirúrgicos, métodos de diagnóstico e de tratamento de doenças em seres humanos ou outros animais vivos não são patenteáveis no Brasil.
A ampliação de escopo traz sérios riscos de violação de princípios éticos e morais, bem como de prejuízos à proteção da saúde e da biodiversidade de nosso país. Uma reforma de propriedade intelectual voltada para favorecer patentes indevidas e preços extorsivos de medicamentos, somada a um processo de cortes severos no orçamento da saúde, só servirá para agravar o desmonte de programas de enfrentamento a diversas doenças, do qual dependem milhões de brasileiros e brasileiras.
Diante do exposto, para não legitimar os planos desta coalizão entre o governo Bolsonaro e empresas transnacionais, o GTPI denuncia mais este ataque potencial aos direitos humanos em nosso país e anuncia seu desligamento imediato dos trabalhos desenvolvidos no âmbito dos Diálogos “Técnicos” do GIPI.
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