Nota de Repúdio do GTPI à decisão do “Jota” de censurar artigo que contraria os interesses da grande indústria farmacêutica

O Grupo de Trabalho em Propriedade Intelectual da Rede Brasileira pela Integração dos Povos (GTPI/Rebrip), coordenado pela Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (ABIA), se solidariza com os pesquisadores Alan Rossi Silva, Pedro de Perdigão Lana, Karin Grau-Kuntz e Marcos Wachowicz, autores do texto Extensão de prazo de patentes no Brasil: o curioso caso dos pedidos de compensação sem danos”, publicado no dia 13 de setembro no periódico jurídico “Jota”, mas retirado do ar poucos dias depois sem nenhuma justificativa.

O texto era uma reação crítica a um conteúdo patrocinado pela Interfarma – Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa, intitulado “Demora do INPI para analisar patentes pode ensejar ação para extensão de prazo”, publicado no mesmo veículo no dia 17 de agosto.

É lamentável que um jornal prestigiado, que tem uma especialização no mundo jurídico, e que, portanto, deveria ter como premissa a valorização do contraditório e a exposição de todas as posições, tome uma postura arbitrária, censurando um artigo que havia sido devidamente aprovado em todos os procedimentos editoriais e contribua para que apenas a voz de quem detém o poder econômico domine a pauta do debate público.

O que está em jogo neste caso não é apenas a liberdade de expressão, mas também o futuro do acesso a tratamentos no Brasil. O GTPI tem atuado incansavelmente para 1) impedir que patentes farmacêuticas indevidas sejam aprovadas, criando obstáculos de preço e abastecimento que resultam crises de acesso a tratamento e violação do direito à saúde; 2) Equilibrar o marco normativo de modo que o interesse público possa ser devidamente atendido, lutando por exemplo, contra prazos adicionais e injustificáveis de monopólios sobre medicamentos essenciais.

Nesse sentido, em maio de 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) tomou uma decisão histórica, no julgamento da ADI 5529, determinando a inconstitucionalidade da extensão de prazo de patentes no Brasil, inclusive com efeitos imediatos e retroativos no setor farmacêutico, contribuindo assim para a potencial queda de preços de medicamentos pra câncer, diabetes, HIV/Aids dentre várias outras doenças.

O artigo patrocinado pela Interfarma é focado em vender a ideia de que o Brasil precisa adotar uma nova forma de garantir que empresas farmacêuticas tenham mais prazo de monopólio em determinadas circunstâncias. Já o artigo dos pesquisadores mencionados acima expõe que a tese da Interfarma não tem respaldo jurídico, é uma afronta à decisão do STF e representa um mal uso do sistema de patente.

Em suma, esse episódio revela que o pensamento crítico, a liberdade de opinião e o debate democrático estão sendo cerceados quando contrariam poderosos atores econômicos, em detrimento da garantia de direitos fundamentais, como o direito à saúde. É inaceitável que um veículo que deveria ser marcado pela pluralidade de visões seja capturada por uma narrativa unilateral e parcial de um tema com tantos impactos em políticas públicas de saúde, como é o caso da propriedade intelectual.

Veja aqui o texto completo junto com uma nota introdutória sobre a situação vivenciada pelos autores no veículo Jota.