Em votação realizada ontem (quarta-feira 15), o Senado Federal aprovou o PLS200/2015, que altera a regulação ética de pesquisas clínicas realizadas no Brasil, retirando direitos fundamentais de pacientes que se submetem a testes com medicamentos em fase de desenvolvimento. A proposta segue agora para análise da Câmara dos Deputados.

VEJA A NOTA DO GTPI SOBRE O TEMA

Apresentando em 2015 pela senadora Ana Amélia (PP-RS), o projeto foi alvo de duras críticas por parte de instituições como CEBES, CNS e CONEP. Ao longo da tramitação o projeto sofreu modificações e foi apresentado um substitutivo pelo Senador Otto Alencar, designado como relator. Entretanto, os principais problemas, como a criação de comitês independentes de ética, controlados pelas empresas e sem participação de usuários;  A exclusão do CNS da fiscalização e regulação das pesquisas, e a relativização das contrapartidas aos pacientes como oferta das melhores terapias existentes e fornecimento gratuito do medicamento por toda a vida após o fim do estudo, permaneceram presentes.

Na semana passada, alguns Senadores como Randolfe Rodrigues (REDE-AP),  Vanessa Grazziotin (PC do B-AM) e Humberto Costa (PT-PE) apresentaram emendas ao PLS200, que possibilitariam reverter boa parte do retrocesso representado pelo projeto. Na terça-feira (14) o Senador Aloysio Nunes (PSDB-SP) apresentou pedido de urgência para votação em plenário. De acordo com reportagem da Revista Época, “Até as 17 horas de terça-feira (14), senadores e lideranças do governo no Senado afirmavam que o projeto não entraria na pauta da sessão e que não haveria requerimento pedindo urgência. Cerca de meia hora depois, líderes partidários aprovaram o pedido de urgência para a apreciação da matéria – que deveria ter voltado a comissões para discutir emendas apresentadas no dia 10 de fevereiro sobre pontos polêmicos.”

O GTPI esteve presente em Brasília para dialogar com os senadores responsáveis pelas emendas e com as lideranças dos partidos, na tentativa de adiar a votação para permitir um diálogo mais adequado. Devido a grande pressão de representantes da indústria farmacêutica, presentes no senado, se tornou evidente a impossibilidade de adiamento. O GTPI portanto buscou apresentar aos senadores a relevância das emendas que protegem os direitos dos pacientes e garantem um elevado padrão ético. Veja aqui a nota do GTPI. 

Na quarta feira (15) o PLS 200 entrou como primeiro item da pauta do plenário. Sob pretexto de desburocratizar a pesquisa no Brasil para atrair empresas e aumentar a circulação de tratamentos inovadores, diversos senadores se manifestaram em favor do projeto. A senadora Ana Amélia alegou que não se pode misturar ciência com ideologia e política, alegando que o sistema que preza pela participação social, especialmente a participação dos pacientes, não contribui para o desenvolvimento das pesquisas. Essa participação no entanto, foi duramente conquistada ao longo dos últimos 20 anos e foi fundamental para denuncias de violações de padrões éticos cometidos por empresas. De acordo com as regras propostas pelo PLS200, as próprias empresas poderão montar seus comitês de ética, ficando assim livres de qualquer denuncia sobre condutas inadequadas.

O único ponto em torno do qual os senadores se “sensibilizaram” diz respeito ao fornecimento do medicamento para os participantes após o fim do estudo clínico. O substitutivo determinava para as empresas obrigatoriedade de fornecer o medicamento por apenas dois anos. Em emenda apresentada pela Senadora Vanessa Grazziotin, a proposta era de fornecimento por toda a vida. Como não havia consenso o plenário chegou num acordo: o fornecimento pelo tempo em que o medicamento não estiver incorporado no SUS. Esta proposta requer uma discussão mais ampla, pois a incorporação no SUS pode não representar fornecimento imediato, o que pode deixar os pacientes num limbo entre o fim do fornecimento pela empresa e o início do fornecimento pelo sistema público de saúde.

O GTPI destaca em sua nota que hoje no Brasil existe um sistema de proteção ao sujeito de pesquisa que está em consonância com as mais avançadas regras internacionais de ética em pesquisa. O sistema brasileiro conta com o Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), diretamente ligado ao Conselho Nacional de Saúde e ao Ministério da Saúde e os Conselhos de Ética em Pesquisa, ligados às instituições nas quais são realizadas as pesquisas. Esses órgãos têm como referência a Declaração de Helsinque, da qual o Brasil é signatário e histórico defensor. Essa declaração tem entre seus princípios o princípio da beneficência, que determina que os benefícios da pesquisa tem de ser superiores aos riscos ao sujeito de pesquisa; que seja continuada a oferta de medicamentos para os sujeitos de pesquisa, entre outras obrigatoriedades. A declaração de Helsinque sofre diversos ataques, neste contexto o PLS pode ter consequências nefastas nos sistemas de proteção dos sujeitos de pesquisa em outros países do Sul Global, em especial aqueles menos desenvolvidos e mais vulneráveis à pressão de interesses de mercados e indústrias multinacionais.