Por 9 votos a 2, o Supremo Tribunal Federal extinguiu na tarde desta quinta-feira (6) o dispositivo legal que transformou o Brasil por mais de duas décadas em uma espécie de paraíso dos monopólios.

Denunciado por organizações da sociedade civil que atuam pelo direito à saúde e acesso a medicamentos, e alvo de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5529) ajuizada pelao Procuradoria-Geral da República, a manutenção do parágrafo único do artigo 40 da Lei de Propriedade Industrial (Lei 9279/1996) tornou-se insustentável por prejudicar o Brasil economicamente e por se constituir uma barreira que perpetuava, na prática, a vigência de patentes por mais de 20 anos.

“O parágrafo único do artigo 40 da LPI já pode ser riscado do nosso ordenamento jurídico e, a partir de agora, nenhuma patente poderá ser concedida por mais de 20 anos em nosso país. Esse resultado significa uma grande vitória para o SUS, para o direito à saúde e para toda a população brasileira. Sem dúvidas, o julgamento de hoje foi um passo fundamental na construção de um sistema de inovação mais justo, equitativo e transparente”, explica o advogado da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA), Alan Rossi.

Com a decisão, embora alguns detalhes importantes relativos à modulação de efeitos dessa decisão tenham ficado para serem resolvidos na próxima semana, a extensão automática e indeterminada da vigência das patentes no Brasil foi declarada inconstitucional.

“Caso haja qualquer tipo de modulação deos efeitos, é muito importante que sejam excepcionadas as ações judiciais em curso, bem como as patentes relacionadas a produtos e processos farmacêuticos e a equipamentos e/ou materiais de uso em saúde, as quais permaneceriam submetidas aos efeitos retroativos da decisão. Isso pode ser determinante para salvar milhões de vidas em nosso país e não pode ser deixado para um segundo plano”.

O parágrafo único do artigo 40 foi apontado no julgamento como um caso único no mundo, que beneficiou  principalmente empresas farmacêuticas multinacionais, mantendo lucros abusivos para laboratórios, atrasando a indústria nacional, a inovação e o acesso amplo pela população a medicamentos essenciais.

“A extensão automática e indeterminada do prazo de vigência das patentes no Brasil viola o direito à saúde de milhões de brasileiros e brasileiras. Além de constituir uma política mal formulada e de não ter paralelo em nenhum lugar do mundo, o parágrafo único do artigo 40 da Lei de Propriedade Industrial viola diversas normas constitucionais, prejudica a sustentabilidade das políticas públicas de saúde e limita a nossa capacidade de resposta à pandemia de Covid-19 e a futuras crises sanitárias”, explicou Rossi, na manifestação dos amici curiae durante o julgamento.

Lei já cria monopólio de fato

Em seu voto, Toffoli destacou que a lei brasileira consolida a exclusividade de exploração de um monopólio, na prática, desde o depósito do pedido de patente no INPI. Já que, caso concedido, permite ao requerente um direito que retroage à data de publicação do pedido para solicitar indenizações de quem explorou economicamente aquele produto.

“Apesar do caput do artigo 40 estabelecer um prazo que coloca o Brasil em consonância com os 20 anos previstos em âmbito internacional (Acordo TRIPS), o parágrafo único faz com que esse prazo seja indefinido. Notem que se o INPI demorar 15 anos para conceder a patente, após concedida, ela estará vigente ao todo, na prática por 25 anos”, explicou.

Participação ativa da sociedade civil

A ABIA participa do processo desde 2016, por meio do Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual (GTPI), tendo várias de suas observações contempladas e citadas no voto de alguns ministros do STF.

Em seu voto, o relator, ministro Dias Toffoli, considerou esclarecedor o estudo realizado pelo Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), levado aos autos pela ABIA, bem como o estudo da Fiocruz “Medicamentos em Situação de Exclusividade Financiados pelo Ministério da Saúde: análise da situação patentária e das compras públicas”, também enviado pela ABIA.

Acesse estudo da UFRJ

Acesse o estudo da Fiocruz

Os ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski também citaram o estudo do Grupo Direito e Pobreza (GDP) da USP, idealizado especialmente para esse processo, entregue pela ABIA entre as suas manifestações.

Acesse o estudo do GDP/USP

A ABIA contou com a parceria da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e obteve manifestações de apoio de várias organizações como Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco); Conectas Direitos Humanos; Federação Nacional dos Farmacêuticos (Fenafar); Fórum das ONG/AIDS do Estado de São Paulo (Foaesp); Grupo de Incentivo à Vida (GIV) e as Universidades Aliadas para o Acesso a Medicamentos (UAEM).

Confira a manifestação da ABIA no início do julgamento, no último dia 28

Excelentíssimas senhoras ministras,

Excelentíssimos senhores ministros,

Em seus mais de 30 anos de existência, a ABIA tem lutado pelo direito à saúde, pelo SUS e pelo acesso universal a medicamentos.

Sabemos que o acesso à saúde representa a conquista da dignidade e da cidadania.

No entanto, a cada ano que passa, vemos mais pessoas sofrendo com o racionamento ou com a falta de opções mais eficientes e toleráveis de tratamento.

E é por isso que, hoje, trazemos a voz das populações diretamente afetadas para dizer: a extensão automática e indeterminada do prazo de vigência das patentes no Brasil viola o direito à saúde de milhões de brasileiros e brasileiras.

Além de constituir uma política mal formulada e de não ter paralelo em qualquer lugar do mundo, o parágrafo único do artigo 40 da Lei de Propriedade Industrial viola diversas normas constitucionais, prejudica a sustentabilidade das políticas públicas de saúde e limita a nossa capacidade de resposta à pandemia de Covid-19 (e a futuras crises sanitárias).

Sendo assim, a ABIA espera que esta corte declare a inconstitucionalidade deste dispositivo legal e ajude a construir um sistema de inovação mais justo, equitativo e transparente.

Muito obrigado.

Com imagem do STF