13 de maio de 2021, Rio de Janeiro – O Supremo Tribunal Federal concluiu ontem o julgamento em favor da inconstitucionalidade de um dispositivo da lei de patentes que tinha impacto direto nos cofres do SUS e no bolso das famílias brasileiras. Com base neste dispositivo, as patentes tinham duração mais longa no Brasil do que em qualquer outro país do mundo. Na prática, isso manteve o preço de medicamentos essenciais num patamar mais alto do que deveria, prejudicando as políticas de acesso a tratamento no SUS e o orçamento da população que paga do próprio bolso por esses medicamentos.

A decisão dos Ministros do Supremo, tomada por ampla maioria, significa que 3.435 patentes farmacêuticas que estão hoje em vigor perderam sua validade ou terão seus prazos de vigência drasticamente reduzidos, abrindo espaço para a entrada de genéricos e queda de preço. Essas patentes envolvem pelo menos 15 medicamentos de câncer, dos quais 8 já poderão ser imediatamente adquiridos em versão genérica, conforme disponibilidade; 10 medicamentos de Diabetes, dos quais 4 já podem ser comprados em versão genérica este ano e outros 3 a partir do ano que vem; e 5 medicamentos de HIV/Aids, dos quais 2 já podem ter queda de preço imediata e 3 a partir do ano que vem. Além disso, se torna possível a oferta de versões genéricas, ainda este ano, de medicamentos para: rinite alérgica, síndrome do intestino irritável, bexiga hiperativa, doença pulmonar obstrutiva crônica, artrite reumatoide e artrite psoriática.

Todas essas condições de saúde somadas, afetam cerca de 118 milhões de pessoas, mais da metade da população brasileira. O impacto na saúde foi um elemento central na deliberação dos ministros, que consideraram a extensão do prazo uma medida abusiva, que gerava privilégios para grandes empresas farmacêuticas e prejuízos para o interesse público, para as políticas sociais e para a realização do direito constitucional à saúde.

Outros medicamentos também terão prazos bem mais curtos de monopólio a partir de agora, como é o caso da bedaquilina para tuberculose resistente a medicamentos, considerado um tratamento essencial para simplificar e melhorar o enfrentamento da doença nos próximos anos. Versões genéricas do medicamento devem chegar ao mercado no começo de 2023, mas, o Brasil, que é um dos países de mais alta carga da doença, só poderia ter acesso aos genéricos em 2028. Agora, com a decisão do Supremo, o Brasil não terá esse atraso em relação a outros países. Isso é fundamental levando-se em conta os impactos da Covid-19 na resposta à tuberculose, com a redução de serviços essenciais de saúde, gerando uma demanda reprimida por tratamento para os próximos anos.

A Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (ABIA) atuou no caso representando o Grupo de Trabalho em Propriedade Intelectual (GTPI), coletivo independente da sociedade civil que atua há 18 anos na defesa do acesso a medicamentos. A ABIA foi a primeira a ingressar na condição de Amicus Curiae no caso, logo depois que foi proposto pela Procuradoria-Geral da República, em 2016. Para subsidiar os ministros, a ABIA apresentou diversos estudos que foram amplamente citados ao longo do julgamento, entre eles: um estudo de impacto econômico desenvolvido pelo grupo de Economia da Inovação Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que revelou um prejuízos bilionários para o SUS na compra de medicamentos protegidos por prazos mais extensos; e um estudo de direito comparado em parceria com o Grupo de Direito e Pobreza da Universidade de São Paulo (GDP/USP), que revelou que a lei brasileira não encontrava paralelo no mundo e permitia monopólios sobre medicamentos que ultrapassavam 30 anos.

“Em uma decisão corajosa, o Supremo Tribunal Federal anulou milhares de patentes farmacêuticas que estavam em vigor de forma indevida, gerando prejuízos incalculáveis para o sistema de saúde brasileiro e ameaçando milhares de vidas. A ABIA e o GTPI sempre denunciaram a inconstitucionalidade desse dispositivo da lei de patentes, que foi finalmente reconhecida. Ainda que não tenha possibilitado a reparação de danos passados causados por essa distorção no prazo das patentes, essa decisão expõe de forma cabal como os abusos da indústria farmacêutica precisam ser combatidos para que o direito fundamental à saúde possa ser realizado. É sem dúvida uma decisão a ser celebrada por todo o campo da saúde pública, pois permitirá ampliação do acesso a tratamentos para tuberculose, HIV/Aids, câncer, diabetes, contribuindo, assim, para reduzir as desigualdades criadas para sustentar privilégios da indústria farmacêutica, bem como para combater a pandemia de Covid-19”, disse Alan Rossi, advogado da ABIA/GTPI.

Com imagem de STF