Apresentações da Mesa 1 – Desafios para uma Saúde Universal e Democrática num Mundo Neoliberal.

“Muitos se perguntam que tipo de mundo estamos enfrentando: creio que é aquele onde um número cada vez menor de pessoas está decidindo o destino de muitos. O mundo onde apenas 7% dos indivíduos detém metade de toda riqueza do planeta”.

O ex-ministro de Saúde da Argentina, Daniel Gollán, considerou que no período atual, com as políticas neoliberais avançando sobre a América Latina, a região enfrenta um poder maior e mais concentrado do que nas décadas passadas. Um problema agravado pela concentração e pelo aumento do poder dos meios de comunicação, das corporações que produzem armas e das grandes empresas de medicamentos.

“Quando deixamos o mercado mandar, obviamente as decisões ficam nas mãos de um grupo restrito de pessoas que decidem de acordo com seus interesses, geralmente econômicos, que não vão beneficiar populações e países, mas apenas as mega-empresas internacionais”, explicou Gollán.

Médico sanitarista e militante político, Gollán destacou como prioridade para a copreensão do momento atual em que estamos vivendoa necessiadde urgênc te da derrubada de mitos: desmentiu a ideia de que a indústria farmacêutica é um setor de inovação, criticou como as corporações se aproveitam da falta de clareza das legislações e relacionou exemplos de ações anti-éticas de algumas empresas do setor.

Indústria sem inovação e transparência

“Inicialmente, precisamos contestar a ideia hegemônica, mas equivocada, de que a indústria farmacêutica é inovadora”, considerou Gollán. Para ele, hoje o mercado carece de produtos realmente novos e eficazes, em vez disso, os lançamentos atualmente são meras variações de medicamentos já existentes.

Essa ausência de inovações, que tem como um dos principais eventos a não criação de novos antibióticos desde 1987, acaba servindo de base para a derrubada de outro mito. Gollán chama atenção para o elevado custo financeiro para pesquisa científica, alegado pelos laboratórios farmacêuticos para justificar o estabelecimento de preços exorbitantes por medicamentos que acabam recombinando substâncias já existentes.

Além da negligência sobre o real desenvolvimento de novos medicamentos, Gollán acusa as empresas farmacêuticas de se apropriarem de pesquisas que tiveram origem em instituições acadêmicas ou governamentais, ou seja: que receberam verbas públicas.

Ética e o conflito de interesses

A necessidade dos laboratórios em ratificar a eficiência destas novas combinações de medicamentos já existentes, como se fossem novidade, acaba direcionando o financiando pesquisas para este objetivo prático. “Esse conflito de interesses é um sério problema ético envolvendo os laboratórios e a produção de investigações científicas”, sugere o ex-ministro. “As indústrias farmacêuticas têm patrocinado as pesquisas que tentam comprovar algo que interessa a elas próprias. Para justificar que uma determinada droga é eficaz, os laboratórios apenas procuram compará-la a um placebo, não com drogas já existentes. Sendo assim, o mercado tem recebido medicamentos que são melhores, apenas, do que nada”.

Marketing e criação de doenças

Com vultosas somas de recursos financeiros em jogo, o ex-ministro explica que torna-se crucial a execução de uma forte política de marketing para garantir o consumo dos medicamentos. “O estranho convívio entre a indústria farmacêutica e os médicos tem reforçado esta ideia. A indústria coopta instituições para certificar seus produtos e médicos para garantir o consumo”.

Outro sintoma grave da busca de novos mercados por parte dos laboratórios é a criação de doenças ainda não estabelecidas. Segundo Gollán, os medicamentos para ansiedade social ou para o “transtorno da disforia pré-menstrual” são alguns exemplos, bem como o curioso anúncio de criação e fabricação do Viagra para o sexo feminino, em 2003, sem que houvesse uma definição científica do que seja uma disfunção sexual entre mulheres.

Leitura recomendada

Para o ex-ministro, reflexões fundamentais para entender a pauta do acesso a medicamentos e a indústria farmacêutica podem ser encontradas no livro A Verdade sobre os Laboratórios Farmacêuticos – Como nos enganam, e o que fazer (The Truth about the Drug Companies, how they deceive us and what to do about it), o livro da pesquisadora do Departamento de Medicina Social da Harvard Medical School, Marcia Angell, ao qual recomendou leitura e onde a pesquisadora detalha os meandros das atividades dos laboratórios farmacêuticos.

Veja também as participações da coordenadora da Fundación Efecto Positivo (GEP), Lorena Di Giano, da Argentina; do coordenador do GTPI, Felipe Fonseca, e do coordenador do BASE-IS, Guillermo Ortega, organização do Paraguai que analisa questões do campo por meio das Ciências Sociais.