Apresentações da Mesa 1 – Desafios para uma Saúde Universal e Democrática num Mundo Neoliberal.

“A proteção das patentes chegou em um nível tão fora de controle que até países ricos, como Holanda e França, não estão conseguindo garantir acesso a medicamentos essenciais nos seus sistemas de Saúde”.

A luta contra o neoliberalismo passa sobretudo por uma capacidade de reinterpretação, ou melhor dizendo, pela necessidade de decifrar as palavras a partir dos seus efeitos reais. A fala do coordenador do Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual (GTPI), Felipe Fonseca, trouxe o alerta e convidou à analise do termo Livre-Comércio como exemplo.

“O neoliberalismo incorre numa estratégia de Duplopensar, na qual conta-se uma mentira acreditando na mesma. No caso do termo Livre-Comércio, a mentira está no termo “livre”, uma vez que o tratado traz “aprisionamento”, explicou Fonseca, baseando-se na reflexão de George Orwell, no clássico livro 1984.

Entre as contradições que mais merecem atenção para entender o sistema de patentes, o representante do GTPI citou a relação entre o direito de propriedade e o direito à saúde, explicando que, na medida em que as leis ampliam a proteção aos direitos de propriedade, mais difícil se torna a realização do direito do acesso à saúde. O GTPI é uma organização que trata a pauta do acesso a medicamentos como direito humano e em sintonia com os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS): da universalidade, integralidade e da gratuidade.

O prejuízo do “livre-comércio”

Sobre os efeitos de uma possível ratificação do Tratado de Livre-Comércio entre Mercosul e União Europeia (UE) nos termos atuais, Fonseca foi taxativo. “Se o Brasil assinar o acordo, vai gastar R$ 1,8 bilhões a mais, por ano, somente com medicamentos para Hepatite C”, afirmou, com base no estudo da Fiocruz que simulou os gastos do SUS com os medicamentos usados atualmente no tratamento de hepatite C e HIV/Aids. Os antirretrovirais exigiriam R$ 142 milhões a mais do orçamento por ano.

Veja o estudo

A nova barreira

Outra medida com efeito perverso se esconde sob o termo exclusividade de dados. “Este tema é o que mais preocupa. Caso aprovada, ela cria um problema porque passa a impedir que os governos comprem versões genéricas de medicamentos importantes mesmo quando não há o impedimento das patentes”.

“A exclusividade de dados é uma nova camada que está sendo criada, mais um muro, dessa vez em torno dos ensaios clínicos, tornando os governos passíveis de multas por prejudicar investimentos de empresas, como no caso da Ucrânia, recentemente ameaçada com uma multa de U$ 800 milhões por registrar um medicamento genérico”, explicou Fonseca.

A União Europeia aperta o cerco

A área de propriedade intelectual (PI) não estava no foco da UE em 2004, fase de início das negociações do TLC, mas segundo Fonseca, isso mudou a partir de 2009. “Virou uma agenda e a UE ficou agressiva, principalmente quando começaram a negociar com Índia e Tailândia, ocasião em que houve vazamento de alguns textos contendo cláusulas que prejudicavam a saúde pública”.

Sobre o Mercosul, a UE tende a manter o rigor, sobretudo para não abrir espaço para negociações e avanços no sentido da flexibilização dos termos sobre PI.

O papel essencial da sociedade civil

Dar visibilidade e enfrentar local e globalmente os termos colocados pela UE nos diversos acordos de livre-comércio, em várias partes do mundo, deve ser a prioridade dos movimentos sociais da área de Saúde e do acesso universal, segundo o representante do GTPI.

“O movimento de acesso a medicamentos, nasceu global e vitorioso. Desde a conferência da OMC de Seattle, em 1999, houve um processo de mobilização muito intenso e as demandas se materializaram na Declaração de Doha, em 2001”, avalia.

Mas como cada vitória é seguida de um conta-ataque violento, a estratégia da criação de acordos multilaterais na OMC deram lugar a inúmeros acordos bilaterais. “Muitos tratados surgiram, o que pulveriza a mobilização e torna o enfrentamento mais complexo, mas a resistência segue”, definiu.

Veja também as participações da coordenadora da Fundación Efecto Positivo (GEP), Lorena Di Giano (Argentina); do ex-ministro da Saúde da Argentina, Daniel Gollán, e do coordenador do BASE-IS, Guillermo Ortega, organização do Paraguai que analisa questões do campo por meio das Ciências Sociais.