“Quanto menos patentes concedidas, mais pesquisas”. A conclusão retirada do relatório do Painel de Alto Nível da ONU, de 2016, deu o tom da participação do Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual (GTPI), na tarde desta terça-feira (3), na audiência pública que debateu a Inovação Tecnológica no Desenvolvimento de Medicamentos, na Câmara dos Deputados, em Brasília.

O evento foi realizado pela Comissão Especial de Inovação Tecnológica da Saúde (CEITS) a pedido do deputado Hiran Gonçalves (PP/RR).

O coordenador do GTPI, Pedro Villardi, enfatizou à Comissão que um exame mais rigoroso de patentes na área farmacêutica é crucial para garantir que mais pesquisas apareçam. “A partir do momento que temos um ambiente com mais tecnologias em domínio público, mais pesquisadores podem acessar essas tecnologias para desenvolverem as suas pesquisas”, explicou.

A afirmação é uma crítica à proposta do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, divulgada em agosto, que pretende conceder sumariamente, sem análise de mérito, todos os pedidos de patentes feitos antes de 2014. A medida chamada de “solução extraordinária” avaliaria favoravelmente cerca de 230 mil pedidos de patente, o que criaria várias situações de monopólio.

Outro benefício da não existência de patentes, citada pelo coordenador do GTPI, se dá na garantia do acesso a medicamentos pela parcela da população que precisa, mas não teria condições de acessá-los com os altos preços cobrados quando a droga está sob monopólio. “No início dos anos 1990, as versões genéricas dos medicamentos antirretrovirais mantiveram vivas muitas pessoas no Brasil, porque à época o país não concedia patente, então os laboratórios públicos puderam copiar livremente esses medicamentos, o que foi a base de sustentação da nossa política de acesso”, reiterou.

Patentes impedem inovações

Outra argumentação que Villardi contrapôs na audiência pública, foi que o número de patentes depositadas ou concedidas serviriam de parâmetro para constatar o surgimento de inovações. “Medir inovação pela quantidade de emissão de patente é falacioso. Hoje não existem medicamentos novos e estamos em uma crise de inovação justamente neste período de mais de 20 anos de obrigatoriedade de patentes”.

Ao comentar a observação da representante da Interfarma de que “o Brasil não inova”, Villardi atribuiu a causa do problema da estagnação a mais uma consequência das distorções provocadas pelo sistema mundial de patentes. “Um estudo da União Europeia mostra que desde 1994 o preço dos medicamentos explodiu, a inovação caiu vertiginosamente, mas o lucro das companhias farmacêuticas nunca parou de crescer”, apontou.

O medicamento mais caro que o ouro

Outro exemplo citado pelo coordenador do GTPI foi o do medicamento Sofosbuvir, que cura a hepatite C. Foi criado nos Estados Unidos pela empresa Pharmassett, que teve todo o seu portifólio comprado pela também estadunidense Gilead, por US$ 11 bilhões.

“A Gilead logo pediu a patente do Sofosbuvir, foi atendida tanto nos EUA quanto na União Europeia e passou a vendê-lo por US$ 84 mil o tratamento, que tornou o medicamento 67 vezes mais caro do que a grama de ouro nos EUA”, enfatizou, de acordo com reportagem da revista inglesa The Economist.

O resultado desta desproporção foi que somente com o Sofosbuvir, em 2014, nos EUA, a Gilead alcançou um lucro de US$ 12,4 bilhões, que superou o valor da compra de todo o portifólio da Pharmasset. “Esse caso mostra que é questionável o discurso de que é altamente despendioso desenvolver um medicamento e que é preciso assegurar 20 anos de patentes para recuperar esses investimentos, disse Villardi, lembrando que Gilead em vez de esforço inovativo, realizou uma transação financeira e passou a vender por US$ 84 mil um tratamento que poderia ser comercializado por US$ 248, já considerada a margem de lucro, como ficou comprovado ainda em 2014 por pesquisadores que se dedicaram a analisar quanto custava produzir um genérico do Sofosbuvir.

Ameaça de crise da resistência antimicrobiana

O coordenador do GTPI também chamou atenção para a ameaça destacada no relatório do Painel de Alto Nível do Secretariado Geral da ONU, em 2016, cuja consequência está ligada ao sistema mundial de patentes: a resistência antimicrobiana.

“Nos últimos 25 anos, exatamente o tempo em que as patentes se tornaram obrigatórias no mundo, não houve o desenvolvimento de nenhum novo antibiótico. Hoje, 700 mil pessoas morrem porque que não existem antibióticos que tratem doenças causadas por infecção, e caso a resistência antimicrobiana não seja enfrentada, em 2050 mais de 10 milhões de pessoas terão morrido por causa de infecções tratáveis”, alertou.

Villardi lembrou que em 1990 haviam 18 empresas pesquisando antibióticos, número que caiu para quatro em 2010. “Se a gente imaginar que todo mundo em algum momento da vida vai precisar de um antibiótico e as patentes seriam o combustível da inovação, e se não falta mercado e não falta incentivo, porque não há pesquisa?”

Participantes

Além da diretora da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), Maria José Delgado Fagundes,participou da audiência pública o coordenador-geral substituto da Coordenação-Geral de Saúde e Biotecnologia do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (TCTIC), Thiago de Mello Moraes.

O GTPI é um coletivo de 17 organizações que desde 2003 se dedica a combater os efeitos que as patentes farmacêuticas produzem no acesso à saude por parte da população brasileira. O Grupo também integra a Rede Latino Americana de Acesso a Medicamentos (RedLam) e a Make Medicines Affordable (MMA) composta por organizações do Egito, Tailândia, Ucrânia, Brasil, Argentina e Estados Unidos.

Imagem: Cleia Viana/Câmara dos Deputados